quarta-feira, 28 de julho de 2010

A marcha do medo

Choro as mágoas das montanhas no Inverno
E as chuvas gravadas em tremenda tempestade,
A angústia do fogo que alimenta o inferno
Desta vida que se esbate aos pés da idade.

Os pios ladinos são como lamentos roucos
De harmonia perdida numa cor escura.
Os risos de alegria, já tão raros e poucos,
São prantos trazidos no peito da amargura.

As lágrimas vertidas salgando a terra
Fazem ninhos de palha e tão fina prata
Da bruma ardente que se abate e cerra

Tingindo de breu o céu, outrora azul.
Do norte, assustado, aguardo o tormento,
Temendo o terror que marcha do sul.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Sonho

Sonho.
Tudo o que almejo é-lhe medida.
Corro por orlas infindas
À procura de mim,
Perdido entre flores tão lindas
De um pequeno jardim.
Na bruma, perdida, segue vida
Sem se despedir.
Tiro-lhe o chapéu e sorrio
Um sorriso acanhado.
As rugas do franzir da testa
São meu ar cansado.
Deixo-a ruir.
Só o sonho é meu refúgio,
Se ela me é adversa
Como fortes correntes dum rio
Onde me abafo e afogo
Num ramalhete de injúrias.
Sonho
E me encontro num toque de estranheza
Com o alheio que virá advir.
Sonho e me desperta a leveza
Quando me deito
E deleito
A dormir.

domingo, 18 de julho de 2010

A alegria da bicharada V

O mocho, na alquimia, era artesão
Da ciência de segredos escondidos.
Procurou, nos empoeirados livros antigos
Com perseverante convicção,
Extraindo, no seu teor,
As técnicas da transmutação,
A pedra filosofal.
Encontrou o que procurava
Depois de tanto lavor
Nos alambiques e retortas,
Que o seu laboratório apinhava.
Tinha aberto todas as portas
A tão insigne mas dura arte.
O rei, cobiçando o imenso tesouro,
Entregou-a nas mãos do mal,
Transformando tudo em ouro.
Era ouro por toda a parte.
Mais tarde, perante o seu horror,
Tanto ouro saiu-lhe caro.
Perdera todo o seu valor
Pois tudo tanto vale
Quanto mais raro.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Empunhei a espada

Empunhei a espada e deferi, em verso,
A todo um exército já disperso:
Tirai os olhos do chão, irmãos em desespero,
Não há vergonha na derrota.
Tende vergonha na guerra,
Mãe do desterro.
Tende vergonha na guerra,
Que amarrota,
Amordaça o justo e enaltece o déspota.

Tornou o sol, então,
Àquele dia de chuva e tempestade.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O milagre da vida (O grito da loucura)

O milagre acontece no calor do ventre,
Princípio de existir. A célula, minúsculo grão
De vida, traz escrita a génese do futuro ente
Como se o destino tecesse em carne e sangue então
Cada minucioso entalhe da forma do corpo despido,
Cada sentido que ouve, cheira, vê e sente.
Nasce a consciência, cresce o conhecimento,
A arte, a ciência, a técnica, o pensamento,
A filosofia da moral e de todas as religiões.
O ser evolui alheado do mundo mas apaixonado,
Trazendo consigo e em si o ditame das emoções,
O requebre da vida que o faz enamorado.
Cada parte que o forma parece pensar por si,
Parece conter todos os segredos da criação,
Formando um todo que, triste, chora e alegre, ri,
Um todo capaz de amar e sentir paixão
Traçada na mais bela palavra amor,
Capaz de odiar e deixar-se entregue à dor.
Tudo isso é canto em plena entoação
Ao som da música do bater do coração.

sábado, 3 de julho de 2010

Dormia sozinho

Um menino dormia
Num sono profundo,
Triste c'oa vida,
Cansado do mundo.
Um menino dormia
Num sono profundo.

Dormia sozinho
Sem o zelo de alguém,
Sem eira nem beira,
Sem casa nem ninho,
Dormia sozinho
Um menino sem mãe.

Uma lágrima pura,
Na face escorria.
Nas ruas d'amargura,
Um sono profundo
Um menino dormia,
Cansado do mundo.

Sem o zelo de alguém,
Um abraço, um carinho,
Cansado do mundo,
Dormia sozinho
Num sono profundo,
Um menino sem mãe.