domingo, 30 de dezembro de 2012

O lado oculto de Fernando Pessoa


Certo dia li, numa daquelas frases escritas não se sei por quem, numa parede, num muro ou num banco de jardim dum lugar ou rua que não me lembro qual, a frase:
«Ser tudo de todas as maneiras porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa.»
Era frequente ler inadvertidamente este tipo de mensagens quando tinha a necessidade de calcorrear grandes distâncias ou esperar pacientemente a hora da partida numa estação de caminho-de-ferro. Devido à profundidade filosófica do conteúdo que pretende transmitir, imaginava o respectivo autor como sendo um valdevinos entregue aos seus delírios auto-infligidos. Porém, como o vim a descobrir mais tarde, trata-se de uma frase que constiui o excerto de um texto de Fernando Pessoa no qual o poeta esboça uma  preconização de uma religião superior aos portugueses. Transmite essencialmente a sua vontade de condensar, numa só, as várias religiões vivas ou adormecidas, necessidade que adveio do seu interesse pelo mundo hermético e ocultista.
A sua ligação com o oculto resultou, por um lado, do contacto de cariz profissional que estabeleceu com livros enquadrados no âmbito da nova era e, por outro, no ressurgimento de uma nova crise intelectual. Esta circunstância levou-o a inteirar-se dos aspectos inerentes às ordens secretas, tais como a Maçonaria ou a Rosa-Cruz. Isto observa-se na citação que epigrafa o seu poema Eros e Psique, trecho da tradução do latim do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal:
...E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade.

Eros e Psique

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa Encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça em maresia,
Ergue a mão e encontra a hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
Segundo ele, a título de outro exemplo:
Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas como as do espiritismo, intelectualmente ao nível da bruxaria, que é magia também), caminho esse extremamente perigoso, em todos os sentidos; o caminho místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm.