quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Num sonho sonhei

Num sonho sonhei
C'um reino distante
Onde eu era rei,
Sábio governante.

Imensa a beleza
Do meu lindo alcácer
Forrado a riqueza,
Fonte de prazer.

Canções escrevia
Em terras de paz,
Salmos de harmonia
Lírica, loquaz.

Sublime a coroa
D'oiro rutilante,
Brilhando-lhe à proa
Belo diamante.

Em outro que tive
Era eu um mendigo
Muito mais feliz
Por sonhar contigo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Segredo do passado

Paira no ar um segredo do passado
História que não conto
D'algo que estava errado
Conto que não digo,
Nos cantos da mente esquecido.
Ei-lo de pompa agora,
Esse segredo de outrora,
Agora, assombro
Como assobio de cornamusa.
Voam aos sete ventos
Os tons lamurientos
De verdade abstrusa,
O queimor dos meus tormentos.
O passado revolve
O que não se resolveu nem resolve.

domingo, 18 de outubro de 2009

Pela mão de sua mãe

Por estas ruas sem tino
Onde não anda ninguém,
Segue um pequeno menino
Pela mão de sua mãe.

Numa mão leva um brinquedo,
Na cabeça, um chapéu
Para o sol intenso e ledo
A brilhar forte no céu.

Com passo curto e apertado
De corpo claro e pequeno
Vai o menino aloirado
Ao sabor de doce ameno.

Uma camisa de linho
Desfraldada e uns calções,
Uns sapatos p'ró caminho,
Traz em si recordações,

Recordações da minha infância,
Era eu 'inda criança
Que ali passava também
Pela mão da minha mãe.

Nos lábios riso feliz,
O 'lhar alegre, tão bem
Segue contente o petiz
Pela mão de sua mãe.

Sem saber com que destino,
O qu' ir encontrar além,
Vai o pequeno menino
Pela mão de sua mãe.

Um sorriso iluminado
Na face, tão linda estampa
Com olhos esbugalhados
De inocência de criança.

Às vezes dá uma corrida,
Outras põe-se a saltitar
Certo que ao longo da vida
A mãe sempre o há-de amar.

Onde vai? De onde vem,
O menino que ali vejo
Pela mão de sua mãe,
Pela mão do seu desejo.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Libertar

Ao fundo do túnel há uma luz
Clara e intensa
Ilumina e seduz
Numa paz imensa.
Os olhos doem então
Pois era escuro
E agora não.
Libertar é duro
Mas compensa.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Silêncio

O silêncio é fino dilúculo como fio de pedra a espalhar no chão quase inaudível uma mescla de sabores entranhados na essência do amanhecer. A forma cristalina da névoa purpúrea envolta no manifesto rubro do ocaso a beijar a noite sob o olhar enregelado de um corvo apeado nas docas do cais ao sol poente forma-se no vazio de tudo enchendo o negro de nada duma cor translúcida. O som disso é a voz do silêncio, o clamor da quitude tangida na mão pela tépida brisa estanque esquecida na paisagem. As copas das árvores distantes vislumbram o infinito, imitando o verde no azul marinho do céu suspensas pelo estreito castanho balançado da raíz como um pêndulo oscilando-se ao vento. Trás música inaudível, uma harmonia de palavras por dizer, significados por encontrar num emaranhado de prantos e lamúrias roucas. É um quadro de aguarela, frescos num mural de tons exóticos à fosca luz caídos como cinza atirada ao ar de várias cores.
Ouço o silêncio, escuto-lhe a voz sábia. A vida surge-se em partitura onde cada nota é uma composição por si só ao ritmo dum beijo de lábios rosados, um sorriso no meio de tantos outros, construindo uma obra maior. Escuto-o, porque dele vem a moral. Ouço-o porque aí está a harmonia do entendimento, a água que move o moínho e, com a farinha que rega, faz o pão. A mesma água que lava as mãos e se senta à mesa à refeição com o brilho no olhar cuja extrema beleza está entregue ao esquecimento. Eis o silêncio serpeando-se por entre cada nota duma excelsa composição à espera de ser compreendido para que seja compreendida a obra em todo o seu explendor. Á noite, faz-nos uma última visita mesmo antes de partirmos para a terra dos sonhos.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A casa do senhor do reino (O grito da loucura)

A casa do senhor do reino

O senhor do reino tinha um forte.
Portentosas torres a sul e norte
Erguiam-se imponentes no cimo da serra.
Das ameias, pendiam lindas flores
Das janelas, portadas às cores
A esquecer longínqua dor, querelas da guerra.
Um majestoso jardim o palácio envolvia
Fazendo lembrar o doce beijo de uma donzela
Enamorada. Cada pétala, cada folha de si bela
Pintam em aguarela um quadro de fantasia
Sobre uma tela de sinais de prosperidade
Entoada pelos ares ao toque da trombeta.
A calmia a todo o reino embala. A verdade
E a justiça são dignas de um poema de um poeta
Escrito em folhas de esperança com tinta de alegria.
As paredes em cor de prata dourada e d'oiro
Ornadas com tão esbeltas e finas esculturas
Lembram extasiantes vislumbres do mais belo tesoiro
Enterrado num mundo de riqueza e de magia.
E toda a gente canta! E a vida são canduras!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Os mensageiros da liberdade (O grito da loucura)

Vão bramindo a pátria, cruz ao peito:
Os valores da sua moral, a civilização,
A ventura da justiça, o lauto preceito
Da liberdade. São livres, os outros não!
A bandeira içada ao vento em riste
Sussurra, suave, ditames dos ideais de amor
Dos valores da humanidade que subsiste
Em sonhos. Meros mensageiros dum mau valor.
Ouve-se o grunho de combate, estridente grito
Ao homem que lhe corre o sangue da nação
Nas veias dilatadas pela ira ao inimigo.
Não trazem ódio, trazem o país consigo,
Trazem abraços belingerentes na palma da mão
Mascarados de justiça, vestidos de democracia,
O preceito da fraternidade aos povos
A caraquejar a morte aos infiéis como corvos,
A sorver-lhes a seiva e abutres em necrofilia.
Quem não vive como eles caminha na penumbra
E merece a morte pela mais vil tortura.
E com essa cádava adubam a loucura.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Te conheci

Domingo de sol
Num dia a brilhar
Bela era a fragrância
Pairando no ar.
Depois de acordar
Levantei-me então
Com muita alegria
E satisfação.
Lá fora, um melro
Piava ridente
Piando alegre
Um piar contente.
Um canto bramido
Ouvia-se bem.
O austero galo
Cantava também.
Quis dar um passeio
Na linda manhã
Com cheiro a morango,
Laranja e maçã.
Poucos transeuntes
Na rua se via
Pois 'inda no céu
A lua sorria.
Da serra, arrebol,
Cor da madrugada
Vi nascer o sol
Da névoa serrada.
Pássaros voavam,
Um cão a ladrar,
O molhado orvalho,
Frescura do mar
Caía das telhas
Em gotas singelas
D'água cristalina,
Paisagens tão belas.
A porta fechei
E fiz-me ao caminho
P'lo meio dos prados
Feliz mas sozinho.
Airoso zarpei
Sem tino, saí.
E foi nesse domingo
Que te conheci.