segunda-feira, 28 de julho de 2008

Perguntei

Perguntei a uma árvore verdejante
Onde frutos ia colher,
O que a vida tem para dar,
O que tem para oferecer.
Disse-me com jeito elegante:
Pergunta ao rio a passar
Onde me encosto a beber.
Perguntei ao rio
Que percorre tantas terras,
Porque é o viver fugidio
Arrimado em vãs quimeras.
Disse-me então a sorrir:
Pergunta ao mar, meu amigo
Pois para ele estou a ir.
Perguntei ao mar
Sereno e bravio
Qual seria o meu lugar
Neste mundo baldio.
Disse-me hesitante:
Pergunta ao luar
Que alumia a noite errante
Com seu brilho luzidio.
Perguntei ao luar
Com luz que me alimenta,
O que iria ser de mim.
Disse-me sem pestanejar:
Pergunta ao sol que me acalenta
E me faz brilhar assim.
Perguntei ao sol brilhante
Cujo brilho faz o dia
Porque sinto eu tristeza
E também tenho alegria.
Disse-me com firmeza:
Pergunta a uma galáxia distante
Com velha sabedoria.
Perguntei à nebulosa
Que de estrelas já foi mãe,
Porque a vida é tão penosa,
Causa sofrimento intenso.
Disse-me ela, graciosa:
Pergunta ao Universo imenso
Que nos fez e que nos tem.
Pergutei ao Universo
Onde existo, onde sou,
De onde venho, para onde vou
E que faço eu aqui.
Segreda-me um tanto disperso,
Com murmúrio de embalar:
A resposta que te dou
Sempre esteve dentro de ti
E aí sempre há-de estar.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A doença de ser português

Apre rrre
Que infortúnio...
O tormento de ser estúpido
A doença de ser português
Bisbórrias na mesquinhez
Irra, rrra
Poder despir-me da inferioridade
Desta horrível mediocridade
Do vil cirro que me acirra
Qual pátria que m'embirra
Zzzz
Ai a zoeira
Me zune a fúria
Tal lamúria
Tão triste fado
Ffffuuummmm (na cabeça... a zirneira)
Só ser luso
Deixa-me irado
Povo obtuso
Chrrrr rach poagh
Escarro por mim todo
E a quem é lusitano
Gentinha do catano
Atolados no lodo
chiiii

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Nascer do dia

Cheiro a maresia
D'oiro e fina prata.
Marulham ao nascer o dia
Belos cabelos e uma fita escarlata.
São não sei bem de quem.
Dá-me um cumprimento matinal,
Aquele efémero beijo jovial
Da manhã que vem
E nasce a pipilar com tamanha euforia.
A faina fervilha de novo
E o milho assoalhado no chão
Canta com ostentação
Orgulhos da lide de um povo.
A rua sorri com alegria
Aos carros, carroças e carregos,
Aos animais do campo,
Aos burros e aos borregos,
Aos bois que vão passando
E deixam para trás
Verdes fieiras de pasto.
Um pregão loquaz
Dum vozeirão já gasto
Apregoa a cantar:
Quem quer carapau do nosso mar,
Sardinha vivinha a saltar.
Ó freguesa venha ver
O que tenho p'ra vender.
Di-lo muito a preceito
E nós seguimos a correr
A arremedar-lhe ingénuo jeito.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A casca

A Ana comeu a banana
Que era do seu namorado.
Tinha casca, a banana
Mas era bem do seu agrado.
Comeu o fruto que adora
E a casca deitou fora.

Passa um homem vivaço
Do espaço sideral.
Escorrega, cai no chão
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
No braço.

Também passa uma velha
Que já via muito mal.
Escorrega, cai no chão,
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
Na telha.

Logo atrás passa um velho
Com andar especial.
Escorrega, cai no chão,
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
No joelho.

A seguir passa o ladino José
Com casaco de cabedal.
Escorrega, cai no chão,
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
No pé.

Por fim passa a Tininha
Com aquele jeito fatal.
Escorrega, cai no chão,
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
Na espinha.

Era uma casca matreira,
A casca que a Ana lançou
No sopé duma sobreira...
Tanta gente escorregou.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 15 de julho de 2008

Um defeito na natureza

A fonte de todo o mal
Nada mais é senão
O pensamento racional
E toda a sua criação,
Obras, engenho e arte
A pulular por toda a parte.
Tem como, natureza, mazela,
O raciocínio, a razão,
O maior defeito nela,
Sua séria perdição.
Eivada, desespera
Qual criança carente.
Será o fim da biosfera,
O pensamento consciente
Com tristeza e alegria,
Amor e ódio pungente
E ganância em demasia.
Em razão pode ser tida
Como bem ser verdade,
O exterminar toda a vida,
Aniquila a humanidade.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 14 de julho de 2008

És mil rosas

És mil rosas que florescem viçosas
Em vasto roseiral de ametista
E várzea de paixões graciosas,
Maravilhosa escultura de um artista.

És o quente fogo púrpura e ladino,
Genuíno cravo de safiras ciano,
Rosa, da cor do mundo que pinto
E me inflama, doido, o peito insano.

És terno malmequer de nascer selvagem
Corado de rubro cerúleo ao fim da tarde,
Bruma rósea matinal meiga e alarde.

És a rosada fragrância de cem carinhos,
Doce inspiração de fresca aragem.
Colher-te-ia para mim, mas tens espinhos.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Espera o destino

Quando já nada te move
E a vida não te sorri,
Crê que o destino pode
Ter primo desígnio para ti.
Vê-lhe as mensagens, cada sinal,
Um cão que aos teus pés se aninha
E te torna assim especial,
Seres alguém que acarinha;
Aquela velhinha esquecida
Que de ti se lembra com saudade,
E foi sorriso na tua vida,
Foi-te alegria em terna idade;
A criança que te observa atentamente
E nem sabes o que quer,
Mas se ri candidamente
Num contágio de entorpecer;
O fim que te foi poupado
E te salvou, mão protectora
Como égide que te serviu de amparo
Pois não seria essa a tua hora;
Quiçá vivas para ajudar,
Trazer abrigo a um indigente,
Quiçá estejas para acompanhar
Aquela velha que te fez contente.
Quiçá seja a tua sina
Um gesto simples de embalar
Em berço de ébano uma menina
Que venha o mundo encantar.
Quem sabe, serás grande
Ou apenas feliz, estares em paz.
Tem esperança, sê preserverante,
Aceita o que o porvir te traz.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Paixão negada

De sul o vento soprou forte
Em telhado levadio
Levou-te, amor, bem para norte,
Deixou-me o peito vazio.

Sei que não querias sentir
O que o teu coração sente
De nada te serve mentir
Pois o teu olhar não mente.

Sinto o teu pranto silente,
E em silêncio por mim clamas.
Por mim passas indiferente e
Nem assim, amor, me enganas.

Essa espada que me corta
Tem lâmina onde te feres.
A tua dor não me importa,
Não me tens porque não queres.

Sei que a tua boca quer,
De meus lábios, terno beijo
E em mil rosas se perder
Saciada de desejo.

Este é o fogo da paixão
Que nos faz ardor intenso.
É incúria da razão
Nos trazer sofrer imenso.

Cuido em te dizer assim
Desde o dia em que te vi:
Foste feita para mim,
Eu fui feito para ti.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Tenho medo

Tenho medo
Um medo atroz
Desta sede de vingança
E este algo que me aflige,
Me dilacera por dentro.
Estou no escuro
Envolto pelas trevas mais profundas
Em pranto e dor
E gelo infernal
Em cada lágrima vertida.
Grito rouco e a voz
Não me sai, definha
Nem sequer perturba o silêncio
Escondido no meu peito
Vazio de luz.
Estou sozinho e com medo
Como uma criança perdida da mãe
No meio de um mar de gente.
Tenho medo de rir e de chorar
De morrer e de viver.
Não sei se é no ódio ou no amor
Que deva fundamentar os meus valores,
As máximas que me fazem ser.
Não sei se é a alegria ou a tristeza
Que tenho por fiel amiga
E levo sempre comigo.
Não sei se quero continuar
Pois nem sei para onde ir.
Ninguém me indica o caminho,
Estou só e perdido.
Não quero odiar
Mas tampouco não posso amar.
É como sentir sem saber o quê,
Um algo sem forma e medonho,
Tormento nos sonhos
Das noites passadas em claro
Em que só a manhã traz alívio
Efémero enquanto o dia dura
E a noite não volta de novo
Com o seu silêncio perturbado
Por ingénuos zuídos quase inaudíveis.
Se durmo, pudera estar acordado.
Se desperto, quisesse eu estar a dormir
De não saber o que sentir.
Ninguém me acena com vontade
Ninguém que me abrace sincero,
Que me afague enquanto choro.
Só, caminho e caminho incerto.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Piratas

Grito desesperado
A pedir a morte
Ecoa os sete mares.
Ronca o corsário irado
Injúrias à sorte
Do irmão decapitado.
-Vingança, vingança,
Clamam sombrios olhares.
Que se abata a matança
Daqueles cuja mão
Teceu as malhas da lei.
Morte aos nobres, morte ao rei.
Rasgava-se em pálida tez
A fúria que a tornava alva,
Aviltante coração
A adivinhar a nudez
Do vazio da alma
De quem quis ser pirata.
A lei só pune salteadores,
Só castiga quem mata.
Decapitam-se portadores,
Mensageiros da mortandade.
Corsários, apoiados por desonrosos
Governos, por impérios por formar,
São hoje heróis decorosos
Nas histórias de embalar.
Quem saberá ou poderá dizer
Que sejam, de agora, os monstros
A protagonizar os contos
Do futuro que há-de ser?

Sérgio O. Marques