terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A galinha, o ovo e os outros

Um dia, diz ao burro o boi:
-Tenho para ti uma adivinha!
Entre o ovo e a galinha
Quem nasceu primeiro, quem foi?
-A galinha! A galinha! - Pipilava
Lá ao fundo da tasca.
Ouviam, o pardal e a cabra
A conversa numa indiscrição rasca.
O ovo! O ovo! - Gritava a outra
Com més a ouvir mais além.
Para além deles e do porco
Não se econtrava mais ninguém.
-E isto que parecia estar morto.
Responde o burro. - Pergunta afouta
Mas carecida de pertinência.
Continuou! - Sem substância ou ciência.
Não se enquadra na perfeição
Numa teoria bem fundamentada
Nos princípios da evolução.
Afinal... Foi assexuada
A primeira forma de reprodução.
Que relação isso tem com o ovo?
Vociferava a cabra de novo.
O boi não tinha a mesma opinião.
-É uma adivinha interessante,
Muito séria e elegante
E serve para reflexão.
Dizia-o enquanto lambia os beiços
Do licor que havia bebido.
-Dizer que foi o ovo ou a galinha-
Remendava o burro apreensivo -
Só dá azo a preconceitos.
Não há método científico que corrobore
A veracidade da resposta à adivinha.
Havia já uma grande algazarra
Lá ao fundo, entre a cabra e o pardal.
Tudo, porque para o boi, esta questão
Lhe trazia muita satisfação
E um deleite sensual.
O porco já estava a ficar cansado
De toda aquela fanfarra
A zuir por todo o lado.
Queria ler, em paz, o jornal.
-A galinha! Dizia o pardal com convicção.
Tinha nascido do ovo posto pela mãe
E, de todos, sabia-o melhor do que ninguém.
A cabra gostava de ovos, era casmurra
E resmungona. Era bem pior do que a burra.
Diz, finalmente o burro - Vou-me embora.
Antes que concluísse a despedida
Ouve-se uma vozearia lá fora
Numa fúria intensa e desmedida:
-Metam-se na vossa vida!
-Metam-se na vossa vida!
Cacarejava a galinha muito irada.
-Mas que povo sem ideia:
Só falam da vida alheia!
Levantou-se um banzé na bicharada
Mesmo à porta da taberna.
O burro já tinha dado à perna
E o boi seguira-o logo atrás.
Os outros, só ao fim duma hora
Resolveram as quezílias lá fora
E foram para as suas casas em paz.
Tanto alarido causado por um quesito
Com um propósito tão esquisito!

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Era natal

Caminhavam, há muito, no deserto quente,
Ermo ao dia e nas noites mais escuras e frias
Grandes sábios das três partes do oriente
Seguindo o astro das antigas profecias.

Senhores d'avultada riqueza de prata, d'ouro
E dos velhos livros do antigo conhecimento
Venceram intempéries, desafiaram o tempo,
Na insigne demanda ao maior tesouro.

Numa cabana moribunda vestida
Encontraram a humilde Verdade em corpo e Vida
No sorriso da Criança que ali nascera.

Foi conjuntura do cosmo, dança universal
Que lhes ensinou o surgir duma nova era.
Era natal, então. Era natal.

Sérgio O. Marques

domingo, 21 de dezembro de 2008

Urro Patriótico

Sem da generalidade a grande perda,
Categoricamente demonstrando
Aquilo que urge demonstração:
Em Portugal é só merda,
Mesmo merda por toda a nação,
Por cá, por lá e por tudo o quanto é canto.
Cora-se a Europa, amarelo pálido
De emético enjoo à proa balança
Deste filho mimado, imundo, esquálido
Estúpido garfo na mão a encher a pança.
Enterrem-se portugueses,
Europeus de palmo e meio
A deitar fora, copo cheio
Vinho maduro dos falsos burgueses
A alienar o bem alheio.
Só gnomas e mais gnomas,
Preconceitos, a par preceito
De fazer tudo, nada de jeito.
Crianças a brincar às bonecas,
Tão lindas, tão tarecas.
Bonecas a fazerem de menina
Com uma boina verde na mão.
Menina, que não se anima
E, quando chora, chega a prima
A fazer festas na crina,
Mais mimando a pequenina.
Avestruzes! Cabeça erguida ao chão!
Tapem com o nobre orgulho nacional
A cara de terra escura, odor a orvalho,
Tremoços, amendoins e noz
Embalçonados ali mesmo, na adega social,
Cêpos ressequidos de carvalho.
Fazer buracos também é luta!
Suínos ébrios a roncar bovinos,
Caninos a latir caprinos
E flatulência cantando selos
De bocados do país nas calças.
Vão à loja em camisolas de alças
A mostrar embostado corpo pedreiro
Emboçados como camelos
Andantes por dinheiro.
Ide para a escola e aprendei maquinação!
Ide... Porque não?
Maquinar é o que é preciso.
É isso e um pano liso
Para engraxar todo esse pessoal
Que mais merda faz em Portugal.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

No destino

Sento-me aqui hoje,
Nesta áspera pedra
Que amacia o meu corpo,
Finalmente no meu destino.
Cheguei onde outrora quisera.
Agora? Agora já não queria.
Agora já não tenho aquela força
De ser estrénuo cavaleiro andante
A travar batalhas em constante
Alvoroço. Não vivo fechado,
Preso sob a égide envolvente
A escurecer o céu ao por e ao nascer
Do sol em cada tarde, em cada manhã,
Em cada crepúsculo em si a trazer
Aquele cheiro que me é saudade
Mas, por fim liberto, em liberdade
Decido cá ficar, a sentir na face
Este calor que um dia me arrefeceu.
Da viagem feita, colhi apenas
Em cada caminho de terra, pequenas
Pedras coloridas que me agradavam,
Não por serem bonitas ou brilhantes,
Simplesmente pela sua cor a pintar
O escuro chão, último companheiro.
Aqui sentado, admiro-as, admiro-lhes
A coragem de serem paisagem,
De se poderem tornar grandes palácios
E de nos ensinar aquilo que somente
Nós teríamos desejo de aprender.
Jogo-as sobre este musgo molhado,
Paladar húmido da velha nostalgia
Para que ensinem ao próximo eremita
Os seus sonhos mais profundos,
As suas aspirações na sua senda,
Para que quebrem seus escudos
E os mostrem ao mundo e o mundo a eles.
Quem sabe se não encontrem aqui paz
E que, juntos, construamos um castelo,
Um lar, uma família unida
Por laços de terna amizade.
A minha viagem terminou aqui.
Não quero mais voltar atrás
Nem conhecer o que desconheço.
Já não vou até ao mundo
Nem espero que o mundo venha até mim
Mas, se este um dia bater
De mansinho à minha porta,
Deixá-lo-ei entrar e sorrir comigo,
Sorrir comigo e abraçá-lo,
Abraçá-lo como a um amigo.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O vaquedo

Um dia passei no prado
De manha. Era bem cedo.
Quão imenso era o vaquedo.

Mui cedo, um certo dia,
Caminhava eu pelo prado,
Desperto e bem animado.
Perdendo a vista se via
Farto pasto em demasia
E um vaquedo asseado.

Eram vacas às bolinhas,
Com pintas e estrelinhas,
Gordas, medias e magrinhas
A pastar um pasto grado,
Comendo as ervas daninhas
Que crescem por todo o lado.

Perguntei, sem qualquer medo
Àquele todo vaquedo:
Que pasceis com convicção?
Comemos ervas verdinhas
Sem ossos e sem espinhas,
Sem fressura ou coração.

Grandes vacas, pois então,
Um vaquedo de espantar,
Vacas boas a pastar.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Fizeram-me a cama

Fizeram-me a cama
De tábuas de pinho,
Com mui fina colcha
De lã e de linho.

Dos lençois, as flores,
Brilhava cetim
Fizeram senhores
Essa cama p'ra mim.

Duas almofadas
Cheiravam a seda
Qual' história de fadas
Tão linda e tão leda.

Quentes cobertores
A cama a cobrir
Puseram senhores
P'ra eu lá dormir.

E lá me deitei
Para descansar
Ficando a dormir
Sorrindo a sonhar.

À noite acordado
Com frio e tão só
Fora ali deixado
Sem pena e sem dó.

Cobria-me um trapo
Sem eira nem beira
A roupa, um farrapo
De serapilheira.

Levaram a seda,
Cetim e o linho
Deixaram-m 'à berma
Tão só e sozinho.

Impaciente espero
O sol do mei'-dia
E o desespero
Será alegria.

Esses tais senhores
De casta tão pura
São os dissabores
Da triste amargura.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Um cinzento só

No século de setecentos talvez,
Ouvia o neto, o avô, seu saber
Num tempo que, no mundo eram só três,
Os pinheiros erguidos ao amanhecer.
Árvores raravam o cinzento da paisagem.
As pedras escuras, foscas, escurecidas
Pelo breu do consumo coravam a imagem
Do preto e branco das cores sumidas.
O verde há muito esqueceu o quadro
Azul do céu, melancolia enublada,
Choro ácido sobre o mar irado.
O constante silêncio é som de nada.
Dizia, então o velho, franzindo a fronte:
Há muitos anos atrás, não era assim.
Cobria, verdejante, um manto cada monte,
Cada planície, cada vale, numa cor sem fim.
Havia pássaros pipilantes, bailarinos
Voavam pelos ares, numa algazarra,
Festa de encantar dos pequenos paladinos
E os peixes no oceâno eram farra.
Os brilhantes raios de sol raiavam
Os límpidos areais banhados de sal
Macios, sedosos, fragrantes, emanavam
Fragrância a fresco e maresia jovial.
Deslumbrantes seres ornavam o planeta,
De vida de um equilíbrio quase perfeito,
Estrénuo movimento de solitário cometa,
Tão terno calor que nos aquecesse o peito.
O menino perscrutava atento e sonhava
O seu futuro. Do passado nada esperava,
Morto e enterrado nos livros de velha capa
Perdidos num reino que não vem no mapa.
Pergunta, sereno, com olhar apreensivo:
Que será de nós, aqui sozinhos, aqui sós?
Inspirou e expirou lentamente, meditativo
E numa pausa repetiu: Que será de nós?

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Homo-coprofagia de escadas rolantes

Humm! O sabor, o cheiro, o paladar
Em ventos de metano e "je ne sais mais quoi".
Pensa alto... enquanto sobe o patamar,
Augando, subindo quedo
Desejando e... Ena! Sei lá!
- Que venha o flato, que venha cedo!
Excita-se, excitação de fome
Sede de alimento, sede de comer,
Fragrância de ensandecer.
-Iahm! Manda rápido que bem se come!
À frente, glútea prega balouça
Enquanto, quedo, sobe atrás
O seu nariz lá se pousa
Esperando a boca o que lá se faz.
Sobe parado, agora
Vai quieto e não demora,
Não é como era dantes!
Dantes, as escadas
Eram paradas
E não... rolantes.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Capitulação

Por fim capitula! O meu inimigo
Prostra-se diante a fúria do destino,
Fado que lhe impingiu à vida castigo.
Então chora, como chora um pequenino.

Lacrimante, face húmida de dor,
Não o arremeti, não pendeu à minha mão
Sobre a malha de espetos desta aversão
Por nós tecida. Foi só sina, foi horror.

Regozija-me? Nunca! Alegra-me? Tampouco!
Esta chama de vitória, este ser afouto
Que não fui nem faz de mim campeão

Extingue-se no regaço do tempo.
Agora, resta-nos um abraço por dar.
E a amargura? Que a leve o vento!

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Religião

Crença de quem não pensa,
Consentir-se no que se sente:
A paz, clamor da mente,
Serenidade imensa;
Fervor no desejo de amar,
Trilhando o caminho da felicidade
Num cálido procurar
Incessante da Verdade;
Beber de mãos vazias
Da água pura que alimenta
As nascentese mais luzidias,
A fonte de vida, de amor
Da Palavra que apascenta
Em todo seu esplendor;
Sorriso de quem vem contente
Perdoar alegremente
Entregar-se ao próximo:
Sacrifício máximo.
Religião não é começo ou fim,
É voz de querubim em canção
A saciar o coração.
É ser-se completamente,
Sermo-nos plenamente.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Viagem

As vagas enroladas no branco areal
Apagam as pegadas desta viagem
Pelo caminho trilhado sob o ardente sol
Iluminando o céu, cerúlea imagem.
Sigo o tropel, com passos de algodão
Até ao rio que no mar se aninha
Onde cada abraço é turbilhão,
História de encantar que, então,
Se resume a uma adivinha.
Surgem, assim, nesta senda
Os amigos que, no triste pranto,
São-nos a companhia em contenda,
A alegria, o doce encanto.
Espreitam-me cada inimigo,
Cada pedra que piso no caminho
Semblante deformado, grande perigo,
Gotas de cicutina num espinho.
Apraz-me saber o que procurar,
Não sei bem onde te encontrar,
Se te conheço e onde estás,
Sei que irei para onde tu vais
Sem não mais voltar atrás
Pois o trilho não é mais.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Guerras

Troam pelos ares, arrebatadas,
As guerras que não cessam jamais.
O medo, a cólera, vidas devastadas
Esvaem-se em sangue, em vozes guturais.

Já vai na quinta, multiplica-se infanda.
A quarta e a terceira, vénia ao império,
A segunda, a primeira, a raça em demanda
E terra a vestir a Europa de fogo e ferro.

Monstros isquiadelfos ponderam o certo
No cimo do monte onde cada trovão canta
E se ouvem longínquos gemidos de perto.

Agora almeja-se, de novo, uma nova ordem,
A derradeira igualdade que se alevanta
A justiça ao mutante, à máquina, ao homem.

Sérgio O. Marques

domingo, 23 de novembro de 2008

Ingrata

ó Madalena, Madalena
Que me agrides, que me feres,
Que de mim queres,
O que queres tu de mim?
Madalena pequena,
Madalena morena,
Que te faz assim?
Madalena do corpo esguio
Sorriso bravio,
Espinho delgado,
Uma rosa florida
No meio do prado
Ao vento esquecida,
Qual é teu sentido?
Onde está o teu norte,
Virado ao sul, perdido
Erguido a mim teu forte
Grito de guerra gutural?
Que te fiz? Que é de mim teu mal?
Madalena, não vês?
Não só a mim alanceias
Com faca de dois gumes,
Lanças, verrumes
Denuda, sem arnês,
Sem torre, nem ameias.
Assim te matas, assim morres
Desse aço te consomes,
Esse ferro que nos mata,
Forjado em terras meieiras.
Ó Madalena és ingrata!

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Anti-namorada

Ela olha-me, enganadora,
Olha, sedutora,
Olhar terno.
Traz no olhar o inferno.
Sei que me não quer
Mas não sei se se lembrar,
Se me mais não querer ver.
Não a quero para amar
Nem tampouco namorar.
Queria-lhe somente amizade.
Pensa que a amo,
Nesse amor que despreza,
Inexistente, na verdade!
E lá vamos num carrocel,
Revolver insano,
Rodopiar natureza,
Tomando sentido de fel.
Agora cansado, desistir,
Abandonar este amor amigo,
Abraçar outro devir
É levar-me comigo
Sem deixar que me siga,
Ser-me sorte, ela, malfadada,
Muito para lá de inimiga
É minha anti-namorada.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A um passo

Com uma seca lágrima apenas
Encho o abismo e é escuro,
Escuro como o quadro da parede,
O quadro do baloiço e da senhora
Que nele se baloiça, encantadora.
Só lhe temo o que está por trás,
Escondido na escuridão à espereita.
Sinto frio, um temor mordaz
Desta única noite que esconde o dia,
Aquele dia que vem e se deita,
Se levanta e sai, concha vazia,
A forjar memórias de esquecer.
De novo cai esta noite,
Noite que nunca deixou de ser.

Olho em redor e vejo um muro!
Em cima, vislumbro o céu:
Melancólico, monótono , soturno
Quente e sincero sob cerúleo véu.
De onde a onde passam serenas,
Lentamente, núvens brancas
Só isso muda, e isso apenas.
Assim aí poderei viver liberto.
E salto! Salto para o céu aberto
Com força que o pranto esqueceu.
Quanto mais salto, mais o muro é alto!

Fervilha-me o pânico de terror
Como bolhas de ar num borbulhar
Frenético em água a ferver,
Estocástico caos (de ensandecer).
A loucura falha, em não tardar.
Chorar por fora, para quê?
Sofro por dentro, porquê?
A vida não me permitiu viver
Nem eu a permiti fazê-lo.
Sei que me espera algo bom
Mas virá quando eu não quiser,
Quando mais nada importar.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Boa gente

É tudo mui boa gente,
É verdade, não mentira.
Falam bem e ninguém mente.

O pior vem quando vira
E toda a gente se atira
À verdade da mentira.
Depois já ninguém entende
Quem diz verdade ou quem mente
E toda a gente decente
Deixou de ser boa gente.

Gente séria é de bem
Mas por vezes faz-se gente,
Gente essa, que muito mente,
Bem melhor do que ninguém.
Deixa a gente a andar à toa.
Então gente que era boa
Deixou de ser boa gente.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Tu és capaz

Se pensas que a vida não te sorri
Que já s'esqueceu de ti
E já não queres mais lutar;
Se pensas que o melhor é desistir,
É esqueceres-te de sorrir
Só te estás a enganar.
É bem grande a'legria de viver,
Ter vontade de correr
Que podes ser um vencedor
E vencer.

Tens de deixar essas mágoas para trás
Tens de acreditar em ti, tu és capaz
Tu tens dentro de ti, essa ambição
Que pode fazer de ti, um campeão.

Se'é muita a vontade de desaparecer
De fugir, de t'esconder
E não parar de chorar;
Se pensas que no mundo estás sozinho,
Te perdeste no caminho
Só te tens de encontrar.
Se tiveres uma paixão de lutador,
Essa força, esse vigor
Podes bem continuar
E ganhar.

Se tiveres uma paixão de lutador,
Essa força, esse vigor
Podes bem continuar
É bem grande a'legria de viver,
Ter vontade de correr
Que podes ser um vencedor
E vencer.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Avaliação

Avaliar é o tal trabalho
Que serve para dar um valor
Àquilo que decerto valho.
Não me consigo avaliar - penso
- Quanta aflição! Quanta dor!
Já não devo ter valor
Quanta tristeza, sofrimento intenso!
Será ironia? Se calhar!
Não me calho em avaliar.
Façamos, então um teste,
Um teste de avaliação.
Pode ser que venha a peste
Que mate do coração.
Serei bom? Serei mau?
Serei rei dos incapazes
Ou o melhor dos perspicazes
A bater na nuca, um pau?
Avaliemos! Façamos perfil!
Poder-se-ia avaliar cada qual,
Numa escala de zero a mil,
Para descobrir o primeiro
Do povo de Portugal.
Mas isso é fácil: basta o cheiro
Ou então muito dinheiro.
Um dá quinhentos, outro seiscentos
Um, um euro; outro um metro vale.
Há quem não passe de um pneu
Que é escuro como breu
Estampado num postal
Do ano de setecentos.
Mas quem é bom deve ser d'ouro!
Só não é nenhum tesouro
Nem tão brilhante sequer.
É mesmo para esquecer.
Antes cunhemos que, cunhados,
Somos melhor avaliados
Como as moedas dos tempos idos
Fruto d'arte dos antigos.
Avaliemos! Avaliemos!
Ainda nos esquecemos!
Cunhemos antes. Pois cunhar
É bem melhor que avaliar.
Venham grandes avaliadores,
Os mais finos cunhadores
Arrolados num sururu
P'ra nos dar um valor crível.
Provavelmente é preferível
Estar debaixo dos cobertores
Com um termómetro no cú
E um saco de gelo na testa
A bater palmas e a fazer festa.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Vampiro

Escuta cada gemido cotundente
Provindo d'alguma catacumba escondida.
Sente o odor de cada urna,
Escaninho d'algo demente.
E essa dor é seu modo de vida.

-Danço lúgrube a valsa nocturna
Com lânguidos passos sob a luz da lua.
Sinto o cheiro do pavor e do medo
De quem me teme em me desconhecer.
Impregna-se este ódio frio em meu ser
Que me gela mórbido desde cedo.
Cresce-me, então, este sórdido desejo
Em lhes sorver o calor que os aquece,
Sacio-me do sangue com delicado beijo
Que me afaga e se me não esquece.
Mas é efémero esse raio de luz
E de novo s'abate a perdição,
Essa fome e essa sede que me seduz.
Deambulo só e há muito na escuridão.
Agora só me fere o rutilar do dia
E nada mais pode haver que m'alumie.

Vejo-o desta janela d'onde durmo
A bailar solitário hediondo
Deslizando suave sobre um ar soturno.
O luar resplandece e me escondo
Do seu olhar terrífico de petrificar.
Ele sabe que o observo e m'amedronta
Na esperança que adormeça para me matar.
Devo suprimi-lo antes que me encontre.
Apenas penso no que me fará, se me vir
No que me terá reservado se m'agarrar:
Beber-me o corpo, a carne haurir.
Espero impaciente o nascer da manhã
Portadora do majestoso sol matinal,
Portentoso desterro dos filhos do mal.
Amanhã estarei preparado. Amanhã!

Quem calcorreia os caminhos de dia
Olvida o silêncio da noite e a companhia
Da lua. Amar é a forma do ser mais pura,
Seja ao sol do dia, como à noite errante.
Sim! Porque um vampiro almeja a cura
Nem que seja por um breve instante.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Senhores da guerra

São tantos homens de gelo
Juízes e carrascos, dum triste degredo
Mensageiros e portadores do vil flagelo
São pedras tão vazias no reino do medo.
Quem por ali fica caído
Um dia fora filho de alguém.
Pois quem ali jaz esquecido
Já tivera uma mãe.

Para um mundo mais belo e melhor
Cheio de paz e alegria
Falta amar, falta amor,
Falta o sol a brilhar em cada dia.
Podemos todos partilhar
Temos tanto para dar
E um riso em cada criança
Traz-nos de novo a esperança.

Há tanto ódio, tanta guerra,
Há tanta morte, tanta fome e tanta miséria
São tão profundas lágrimas, que banham a Terra
Daqueles de quem o sangue alimenta essa fera.
Mas mesmo assim, em cada olhar
Há um raiar da manhã,
Há um sincero acreditar num sorridente amanhã.

É tanta a fome de riqueza,
Essa ganância insana que fere a natureza
São só inúteis leis para fomentar a grandeza
No fim nada mais resta para além da pobreza.
E aí, quem mais nada tem,
Será um homem com sorte
Aquele que tenha mais alguém
Que o afague até à morte.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Uma conversa interessante

-Um abraço. Despede-se do cão
O burro. - Amanhã, - continua
- Aparece com o teu camião
No fundo da minha rua.
-Fica combinado. - Responde o cão,
Despedindo-se com um aceno.
O burro sai então. O clima ameno
Deixava vontade de passear.
O boi, que ia por ali a passar,
Não tardou em cumprimentar
O burro. - Bom dia! - diz:
-Com um dia como este
Toda a gente anda feliz.
Trauteava alegre como um petiz.
Responde o burro: - tudo é relativo.
-Dizia-o reflectido.
Só existe felicidade
Quando também há tristeza
E essa é uma grande verdade.
É da própria natureza.
O boi, atarantado, expõe seu pensamento:
- Todo o conhecimento
Tem carácter absoluto.
Expunha-se, o boi, resoluto.
Cada qual, com a sua experiência,
Com religião ou com ciência,
Ou até com a própria vivência
Vai calcorreando os intrincados trilhos
Desse imenso infindo campo
Do qual tão pouco se sabe entretanto.
O burro emudecera perplexo
Durante um curto espaço de tempo.
Returque então com contentamento:
Aquilo que se sabe agora
Depende, de alguma maneira
Daquilo que se soube outrora.
O que hoje é certo, amanhã é errado,
O que hoje é erro, amanhã é acertado.
Só há segunda se houver primeira.
O boi não ficara convencido:
- A existência, por si só, é absoluta.
Não se mede relativamente a nada,
Segue indiferente e resoluta.
Escutava o burro apreensivo
Com a resposta estudada.
Prossegue o boi com firmeza:
Se segue para a frente ou para trás
Se vai direita ou anda torta,
Se anda em guerra ou está em paz,
Isso tampouco importa.
O importante é que existe e é.
-Mas isso tudo é relativo...
-Absoluto!
Interrompr o boi que é astuto.
-Relativo!
Diz o burro assertivo.
-Absoluto!
-Relativo!
-Aboluto!
-Acabemos esta conversa,
Pois enjoa e sabe a pouco.
Diz o burro já cansado.
Passemos, então, pela taberna
Para bebermos um copo.
Seguiram ambos de passo apertado
Para o boteco ali ao lado.
Tomaram a melhor decisão,
Tal conversa a ninguém interessa.
Não tem conteúdo, aplicação
Nem nada que se pareça.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sorri, morena

Ai morena,
Delicada pequena
Sereia vinda do mar
Sorris d'ouro
Esplêndido tesouro
Lá bem no fundo a brilhar.
Mãos de seda fina
Que acaricia,
Mil e uma noites de magia;
Sorri menina.
Sorri que te engrandece.
És candura, terno beijo
És aquele íntimo desejo
Que se guarda e não se esquece.
Sorri, porque tens o mundo para ti,
Sorri, sorri!
Sorri, deixa-me chorar a mim
Deixa-me ser teu pranto.
Sorri, que és rosa, és jasmim
Selvagem, malmequer do campo
Fragrância da liberdade
Cheiro a fresco, a humidade,
Brilho ofusco de verão.
Tens o mundo na mão!
Ai morena,
Chuva amena
Enxugo lágrimas do rosto
Paladar a mosto
Doce como o mel.
Esbelto quadro de aguarela
Pintado numa tela
Delicado diamante sobre papel
Uma pérola da natureza
Que no meio de outras se exalta
De tanta beleza.
Tens aquilo que me falta,
A mim mais do que a ninguém.
Sorri porque te fica bem!

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Vem

Vem cá mulher bela
Pois o meu coração por ti clama
Vem cá, anda singela
Vem ver a quem te ama.
Vem ditosa, minha querida
Vem fermosa, minha vida
Encontrar a minha graça.
Vem já, vem ligeira
Vem agora que o tempo passa,
Vai e não volta atrás.
Vem aqui, p'ra minha beira
Abraçar este meu abraço
Que te tanto carinho traz.
Vem, pois tudo por ti faço.
Vem luz que m'alumia
Em cada dia que vai e vem
Vem dar-me voz, vem alegria
Vem e canta comigo também.
Vem mão de flores aos molhos
Vem paixão, vem sem demora
Vem acalmar meus olhos
Pois cada um só por ti chora.
Vem cá linda princesa
Vem graciar-me beleza
Vem fazer-me riso sincero,
Enquanto aguardo, desespero.
Vem fogo, vem calor
Vem candura, vem amor,
Vem comigo voar,
Vem, que te quero amar.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Névoa

Eis que se lança de mansinho o véu
Esvoaçado ao vento sobre a cabeça,
Branco como as núvens brancas do céu,
Algodão e farinha que à neve pareça.

As montanhas elevam-se nele enroscadas
Tocando o esplendor, a derradeira liberdade.
Por cima a luz, por baixo brumas enubladas
Encobrindo os ternos segredos da idade.

Nada se enxerga para além dum palmo
De vista. Só quem sobe alto ao fim do monte
Pode sentir a aura num inspirar calmo.

Quem, no sopé, desfalece cansado, olvida.
Só lhe sacia a pura límpida água da fonte,
Um ténue raio de luz, um fio de vida.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A selecção na televisão

A selecção
É orgasmo, é orgia
É bacanal, é folia,
É festa, é tesão
Em frente à televisão.

O esférico canta
Nos pés dos marretas,
Chevainos e chianos
Armados em vedetas,
Batendo nas malhas da manta.
Gritam: golo! Golo!
Orgulho nacional:
Cada pancada, cada tolo!
Viva Portugal!
Gritam num berro masturbado
Dum deleite libido
Sucando côcos até ao engasgo,
Sumo seminal.
Soltam um gemido
Lascivo de prazer.
Quando entra, entra a doer!
Ficam pêlos púbicos erectos
Enriçando-se em treliça
A formar ângulos rectos
Ao ver-se a bola na baliza.

Se falha o devasso,
O golo que não vem
E o tempo é escasso
Não cai nada bem...
Erro crasso
Tarda o orgasmo,
Dá-se um marasmo,
Mói e remói o dói-dói
Até ao espasmo.
Então, espuma-se esperma pela boca,
A sorte pouca
E aí é que dói,
O árbitro é que rouba,
Tem pouca roupa.
Dá-se a ejaculação
Com grande precipitação.
Voam perdigotos, como espermatozóides
Megulhados nas trompas
A correr ao desvario.
Quanta desilusão!
Fica tudo de trombas,
E de caras amonóides.
É um arrepio,
Ouve-se o assobio.
Acaba-se a tesão,
O orgasmo, a orgia,
O bacanal e a folia
Em frente à televisão.

Lá vem a selecção.
Traz uma faixa
E um lenço de mão.
Volta a toque de caixa,
Ao som de pianos,
Com um dedo no ânus.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Redacção de uma menina

Eu ontem fui às compras,
Passear e ver as montras
Cheias de coisas tão belas.
Eram colares de brilhantes,
Eram bolas, eram estrelas,
Eram vestidos de gala,
Eram bonecos gigantes
Lindos de perder a fala.
Também estive no mercado,
Com gente por todo o lado
Para comprar mercearias,
Hortaliças, pão às fatias
E ainda uma dúzia de ovos.
Mas o que mais me agradou
Foi o que a minha mãe me comprou,
Um vestido de encantar
E um par de sapatos novos
Que hoje vou estrear
Para estar muito bonita
Quando estiver com o meu pai.
Quero que, quando ele me vir
Assim janota e catita,
Se comece a sorrir
E me abrace com ternura.
Hoje estou feliz!

Sérgio O. Marques

sábado, 11 de outubro de 2008

Ódio

Podes crer que não te minto
Sobre a dor que se me medra.
O ódio que por ti sinto
Empedernia a dura pedra.
Tal raiva me ferve a fúria
Em nervos de pele rasgada
E unha nela enterrada
Na carne ferida de angústia.
Do teu nome me consumi,
Palavra ruim de execrar.
Podes estar certa que de ti
Não suporto ouvir falar.
Odiar é triste, não é caminho
Em vil tristeza definho.
É preciso coragem para amar,
Ainda mais para perdoar.
Sinto-me perdido e sozinho.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Amores de agora

Estes amores que se engalham
Em direitos de sequelas
São cartas que se embaralham
Num baralho cheio delas.

Uns tocam-se outros se beijam
Em abraços de namoro oco
Entre amantes que são e deixam.
Tais paixões sabem a pouco.

Alguns se mostram jactantes
Com conquistas de amores perdidos.
Dão-se voltas mirabolantes:
Acabam-se sempre traídos.

Gabam-se, entre si, cada qual,
Coitarem-se como animais que são.
Não traz nada de fenomenal,
Nisso era mui bom meu cão.

Sérgio O. Marques

sábado, 4 de outubro de 2008

Motor do mundo moderno

Motores e redutores
São ferros enlaçados,
Entre odores entrelaçados
Com transformadores
E cheiro lúbrico quente
Propulsando guindastes,
Martelos-pilões sobre bigornas,
Prensas, tornos dando tornas
(Produtos inúteis e trastes)
Num movimento demente
De cabos em cadernais,
Rodas dentadas frenéticas
De cremalheiras e muito mais,
Até coisas pouco éticas.
Máquinas e vapores
Aceleram a marcha social
De sabores e dissabores,
Auto-estradas sem nexo
Para mover capital:
Merdas que, lá bem no fundo,
Só servem para fazer sexo
No outro lado do mundo.
Cremes e unguentos
Escorrem o corpo de mel
E químicos pestilentos
Para esconder o sol da pele,
E dar cor à palidez,
Cor bronze de metal.
São motores mais uma vez
De sexo e capital.
Acabamos a comer chapa,
Papel de notas em maço:
Alimento, falsa capa,
Motor do fracasso.
É mercado financeiro
Dinheiro a trazer dinheiro atrás,
Sem riqueza fazer dinheiro,
Faz dinheiro que nada faz
Motor do mundo disnexo
Que cura males numa farmácia
E comunica com audácia.
Move tudo e compra sexo.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Tu és feio

Não tens lugar no nosso seio.
Não o tens porque tu és feio.

Não és lindo como a Lili,
A Mariana ou a Mimi
Nem sensual como a Ju,
O Ricardo ou a Marilu.
Não fazes rir como o João,
Como o Rui ou como a São
Nem és porreiro como a Rita,
O Eurico ou a Anita.

Não te dás com a Mafalda,
Ela para ti nem fala
Nem o Paulo te suporta,
E ninguém de ti se importa.
A Ana não te quer ver
Nem o Filipe nem a Ester.
Vai ou fica, se quiseres,
Não estaremos onde estiveres.

Ninguém cá gosta de ti,
Tu não tens lugar aqui.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Inspiração

Inspiração, doce maresia
Agreste e aura matinal,
Aurora boreal ao fim do dia,
Desenho na parede rupestre
Com formas de animal
Provês de mestria o mestre.
Ninfa dos campos verdejantes
Apascentando o manso gado,
Deleite pastoril em fresco prado
Coberto de gotas rutilantes
Do tímido orvalho madrugado
Tinges de ciano o vermelho vivo,
Formas púrpura troncos castanhos
Em tons de cinza amarelo olvido
Nas altas copas de azuis estranhos.
Voas livre pelos céus ardentes,
Viajas errante aos confins da Terra,
Da paz interior à flor da guerra
Sincero riso, conto mordente.
Musa da harmonia sonante
Sais pelos dedos das teclas
Terno beijo dado por mesclas
De vozes num coro espampanante.
És carícia nas cordas duma harpa
Estampada de negro em partitura,
Belo quadro em cores de sã bravura,
Estridente clamor em funda escarpa
Liberto como um pássaro pelos ares.
Sereia nos agitados mares
Ruins e repletos de bravia calma
Tecida nas ondas dum fino manto
Faz gritar do coração a alma,
Vem amainar meu triste pranto
Cantando-o num alegre canto.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Parlamento português

Duas criancinhas
A brincar às casinhas
Tinham bonecas
Muito lindinhas
Nada tarecas
Tomavam chazinhos
Das cafeteiras
Comiam bolinhos
Sorriam matreiras
Outras duas vieram
Consigo trouxeram
Vestidos de trapos
Bonecos vistosos
Abonecados
De tal forma garbosos
A ser convidados
Para a brincadeira
Veio um ror delas
Numa zoeira
Com mais coisas belas
Juntaram-se aos outros
Já não eram poucos
Formaram partidos
De pobres e ricos
De nus e vestidos
De paus e de picos
Então reinava
Uma reinação
A criançada ralhava
E sem razão
Coisitas de nada
Sem importância
Amuos de infância
Da pequenada
Assim se fez
Bem português
Nesse momento
O parlamento
Os deputados
São meninos mimados
A brincar às casinhas
Com bonequinhas
Vestidas de trapos

Sérgio O. Marques

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Adivinhação

Num futuro muito distante
Cessar-se-ão estações em diante.
Regelar-se-ão as águas ao amanhecer.
Ferver-se-á a terra ao entardecer.
Aparecerá a lua enquanto o sol alumia.
Então, será dia depois de anoitecer
E se fará noite quando for dia.

domingo, 21 de setembro de 2008

Miúdo endiabrado

Enquanto marra, berra, embirra.
Depois pára, espera, espirra.
Segue a farra, mais tarde ferra,
Mostra tara e se atira.

Se o cerro então se acirra,
Enleia-se em espira, espera.
Tanto se amarra, tanto se mirra,
Nisso se mostra mestre, esmera.

Dolente enérgico grito grita
Com garra de quem faz guerra.
Zunido forte e farto, frita.

Demora! Mira coisa mera,
Vão amuo meado, o miúdo.
Seria sério, se graúdo.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Filosofias do burro com a cabra

O burro seguia pela estrada
Lentamente. Caminhava pensativo.
-Olá - diz a cabra.
-Pareces apreensivo.
O burro pára e não diz nada.
Entretanto, passa à bolina a zaranzar
O boi, que acabara de almoçar
Um apetitoso explosivo.
Parecia um enorme balão
Desarrochado a expelir ar.
Por lá também rola o cão
No seu belo camião
A mostrar uma alegria airada.
A cabra fita o burro pasmada.
-Olá cabra - acena abatido
Não estou preocupado, estou triste,
Desanimado e combalido.
Isso sim... foi o que viste.
Vou aqui a pensar na vida:
Tanto trabalho e tanta lida,
Para tê-la num revés.
(A burra dera-lhe com os pés.)
-Estar vivo é um condeno
E respirar é meu inferno,
É meu maior sofrimento.
Talvez me mate com veneno.
Passa um pássaro nesse momento.
Levava, no bolso um caderno.
Ia à loja às compras
Devagar, a ver as montras.
Bem perto passeava distraído
O porco com seu jeito descontraído.
-Para quê nascer...
Continua a resmungar.
-Se todos temos que morrer?
-A vida é para se gozar,
Para ser levada a riso.
Temos de trabalhar para comer
Para não cair na monotonia
De atrofiar o juízo.
Returque a cabra com fervura.
-Se ao menos pudesse voar
Para acalmar esta amargura
-Queixa-se o burro - uma festa seria,
Apreciar do ar a natureza
E toda a sua beleza.
Fala a cabra: para isso é preciso asa.
Mas tu podes ser feliz,
Segundo aquilo que se diz
Sem sequer sair de casa.
Do cimo duma árvore palra a pega:
-Realmente, voar faz-nos mais livres.
Mas para sermos felizes...
Não chega!
Não me adianta voar
Sobre montes, vales e rios,
Tocar de perto o céu
Numa noite de luar
A fervilhar arrepios.
Bem pode ser mais livre do que eu
Quem vive encarcerada.
-Falas bem e com eloquência.
Responde o mocho, bicho da ciência
Do reino da bicharada.

Sérgio O. Marques

Já esteve em paz

Dia após dia, na varanda
Da sala, sentado,
Um rapaz novo, não anda
Pensa, o eremita enamorado.
Lembra um amor esquecido
Pelos olhos do lânguido olhar
Assaz triste, ora ferido,
Ora frio de gelar
Enquanto crepita lá dentro
O fogo da lareira.
Quão grande será seu sofrimento?
Sempre que passo, na cadeira
Repousa e lá está meditabundo
Mergulhado num pesar profundo.
Qual será a sua razão de existir,
Aquilo que o move e o faz ser,
O seu alento de viver?
Viver? Não sei se vive
Ou se há muito morreu!
Foi o amor que o esqueceu,
Um amor outrora audaz.
Esse amor que nunca tive.
Mas... Já esteve em paz,
Eu nunca estive.

Sérgio O. Marques

Teu toque

Um teu toque inaudível
Perfumou-me a pele de cor,
Um colorido imperceptível,
Um arrepiar fervor.
Dobreio numa carta de amor
Bem junto do coração
E suspirei de contente.
Arrecadei-o para recordação,
Uma proxémica demente.
Não mais outra quis sentir,
Preservei indefinidamente
Esse fragor fulgir.
Numa redoma me fechei,
Isolei-me do resto de tudo
Para tê-lo só meu,
Teu efémero calor, gesto mudo.
Deixei de ver o céu.
Nesse encosto fui-te, mulher
Sou-te, bela e doce menina.
Afago guardado em caixa pequenina,
Essência de sofrer.

Sérgio O. Marques

Um pensamento capitalista

Morram os feios
Que nasceram assim.
Se não se fizeram, que se fizessem.
Pintem-se ou enterrem a cara!
Morram os mal cheirosos,
Badalhocos imundos.
Se não se lavam, que se lavem.
Mas morram à mesma!
Morram os tristes
Que não levantam a cabeça do chão.
Não fazem cá falta nenhuma.
Só olhar para eles causa dó.
Morram os deficientes:
Manetas e pernetas,
Dedetas e punhetas,
Surdetas e ceguetas;
Vós só sois estorvo aos sãos!
Para quê rampas e trampas,
Soídos e zunidos,
Verrinas e terrinas
Com gente empecilho?
Morram os gordos cheios de banha:
Dizê-los doentes é patranha.
Comam merda e emagreçam,
Potes para meter azeitonas lá dentro.
Morram os enfezados e raquíticos
Que mais parecem paralíticos.
Alimentem-se ou então insuflem-se.
Encham-se com a banha dos gordos!
Morram os pobretanas e mendigos,
Pedintes esfarrapados das valetas
A desfeiar as frentes do aparato.
Se abanarem a árvore das patacas
Talvez vos caia euros, lixo humano.
Mas não há cá lugar para vós.
Morram os enfermos e viciados,
Inválidos e desempregados
A entupir hospitais de inutilidade.
Sois a escória da sociedade.
Ao menos mortos, servis para sabão:
Parasitas infandos.
Morram os assassinos e criminosos,
Homicidas, parricidas sequiosos
Do sangue do povo.
Se ao menos só matassem feios,
Ainda serviam para alguma coisa.
É mais fácil matá-los
Que entendê-los.
Morram os enganados e traídos
Caídos bêbados nas bermas
Com a cara suja de barro e lágrimas.
Devia haver uma lei que os abatesse
Como cães com sarna à seringa.
Viva aos sucicidas,
Esses matam-se e poupam tempo.
Morra a baixeza da humanidade:
Acabamos todos por morrer à mesma!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Quadras de amor

De manhã, um beijo te deixo,
De tarde, te deixo um beijo.
O teu beijo num ensejo
Inflama-me o desejo.

Ilumina com pompa o ar
Um cometa cheio de luz.
É como o brilho do teu olhar
Que me enlouquece e seduz.

Arde-me este ardor tamanho
Que me inflama tão profundo
Pois o amor que te tenho
É do tamanho do mundo.

És pétalas de fina rosa
Num florescer matinal
Que deixa a rua cheirosa
Com fragrância sem igual.

O céu de estrelas se pinta
E a lua sorri contente
Sempre que te vejo tão linda
No meio de tanta gente.

És a mais bela flor
Que eu guardo em meu jardim
Regada com o teu amor
Que me faz feliz assim.

És minha doce paixão
Desde o dia em que te vi.
Trago-te no coração.
Ainda não te esqueci.

Se fosse eu pérola do mar
Azul profundo, terno leito,
Enfeitava um belo colar
Para tu trazeres ao peito.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Sinais da vida

Erguer a cabeça e sonhar
Move força e música de alaúde
Alegre, talvez vontade dum perdoar
Feroz de morte quem desilude.
Olhos fechados ouço a neblina
Erma e oculta ermida,
Vislumbre por trás da cortina.
São os sinais da vida
A fechar os mais antigos
Ciclos sob a abóboda celeste,
Respostas surgidas, caminho agreste,
Reencontro amigos.
Ela então passa e abraça,
Faz-me ser terna idade
Sem a temer, realidade,
Pois me alegra tanta graça
Com vestido às pintas de mãe.
Sou feliz porque já não temo chorar
No regaço de alguém
Que me feriu, que me matou.
A vida que dê o que tem para dar
Que eu serei como sou.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Um doce fluir

Enebria a mente, a quinta essência
A fluir-te os chacras, carícia labial
De arrepiar a espinha. Bebes a demência
Dos meus lábios num beijo vaginal.

Cheiro-te o ânus e o corpo perfeito,
E mordo-te os seios firmes de paixão.
Esta lascívia que nos inflama o leito
Faz-me possuir-te como um furacão.

Assim vais gemendo gemidos de orgia
Até ao orgasmo, ejaculação, prazeria
Enquanto mordes a boca e se pára o tempo.

Aí sabes que num breve momento
És minha raínha num reino encantado.
No fim dormes com um sorriso alado.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Preconceito

Proconceito é ritual
Que já de si não sabe
O significado original.
Sem cabimento, não cabe.
Preconceito é o medo autista
De abrir a janela
E ver a rua, de tão bela,
A estrebuchar à vista.
Preconceito é preceito
Para a cegueira da alma,
Moldar fúria em branda calma
E acusar o justo, punhal no peito.
O preconceito é a dor
De ver o ódio onde não está
E onde, tão bem, ele há
De tão mal, não vê amor.
O preconceito mede sem unidade,
Pesa sem instrumento,
Dá por engano a verdade,
É engodo ao pensamento.
Preconceito é tristeza
Onde devia haver alegria
Pois tem a noite em certeza
No sol alto ao meio-dia.
O preconceito fala
Porque ouviu dizer,
É a voz de quem se cala
E ainda assim é maldizer.
O preconceito não é jeito,
É falta dele, não se ajeita.
O preconceito não é direito,
Nem de direito, não se endireita.
O preconceito é inimigo da liberdade,
Deixa nem vivalma ileso.
Quem se lhe prende com acuidade
Não é livre, vive preso.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Pipilava um passarinho

Pipilava um passarinho
Voava de flor em flor
A cantar, fazia um ninho
Para o bem do seu amor.

Para o bem do seu amor,
Enquanto fazia o ninho,
Foi caço o passarinho,
Caçou-o um caçador.

Nas asas, lindas penas
No peito pena trazia
Penas, p'ra escrever poemas
Da pena que no peito ia.

Pipilava o passarinho
Numa gaiola de dor
Cantava triste sozinho
A chorar o seu amor.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Tu és oca

Tu és uma concha oca e vazia
Vã de ideias e sentimentos
Nada tens dentro que te faça mulher.
Para mim, qualquer concha oca
Reduz-se ao estado de coisa.
-Tirem-me esta coisa da frente!
Grito.
-Não lhe suporto o cheiro nem a cor
Ou tudo aquilo que representa.
Livrem-me disto que me enoja:
Misto de banha e ranço
Coisa disforme e emética,
Saco de tripas
E sangue coagulado
A sujar a camisola.
Só de pensar que já te vi gente
(Como me sinto estúpido...)
Mas não passas de uma lâmina
Mal afiada que, quando corta,
Nos envenena a todos.
Parte-te em mil bocados
E atira-os ao mar
Pois só serves para deitar fora.
Monte de lixo que te constituis
E dizes-te das ideias
Que não as tens
Mas tentas fingir ter.
Coisa disforme...
Coisa abstrusa...
Coisa inútil...
Velharia e qualquer velharia
Tem mais utiidade que isso que és.
Sai-me da frente,
Não és digna de aí estar.

Nota: Este poema tem intensidade no sentido negativo, como eu pretendia. A personagem de quem falo é puramente imaginária e sem nome (aliás, não sinto despeito por mulher alguma), tal como aquelas personagens da maior parte dos filmes actuais e de referência que são completamente esventradas e mutiladas - e isso não faz dos respectivos autores uns monstros. Se alguém se identifica com tal, tenha em mente que esse não é meu intento.

domingo, 17 de agosto de 2008

A chave da porta

A chave da porta
Que dá para a sala
Está numa mala.
Quem se importa,
Com a chave da porta,
Se a porta está aberta?
Sim! A chave da porta
Está numa mala,
Numa mala coberta
Ao canto da sala.
Só se lembram da chave
Com a porta fechada
E então ninguém sabe
Que a chave usada
Para abrir a porta
Que dá para a sala
Está numa mala,
Na mala da sala
Que a ninguém importa.
No canto da sala
Está uma mala,
Uma mala esquecida.
Dentro da mala
Está uma chave
Que ninguém sabe
Que é a chave da porta
Que dá para a sala,
A sala da vida,
Uma sala fechada
Com a chave perdida.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Cumprimento onomatopaico

Pirilim pirilam
Catrapum coridom
Fratilin anam
Grutilun fanom
Ricaturil amnião
Olá a todos, como estão!
Rircalor formidur
Portiduram ariur
aficul srilália
gtutmian ohjília
preribum curiém
Como estão? Estão bem?

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Menina era Estrela

Menina era Estrela,
A estrelinha de sua mãe.
Quando brincava, pulava,
E quando saltava, corria.
Sempre que corava parecia
Mais bonita do que ninguém.
Morava, linda, ao fim da rua
Num andar enamorado,
De dia, com o sol raiado
De noite, com a luz da lua
A enfeitiçar com candura
Qualquer poeta inspirado.
Quão formosa, quão bela,
Põe-se de pé à janela,
Cabelos ao vento a luzir,
A toda a gente a sorrir,
Com um sorriso de encantar.
Janela, de par em par
Aberta, p'ra poder vê-la.
Pois tanta beleza tem!
Menina era Estrela
A estrelinha de sua mãe.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Má razão

A razão é amargura
Que nos veste e por ela
Escondemos a forma pura
Do corpo, de si tão bela.
Ela pesa a consciência
Não a mede ou avalia,
Apenas carcera com veemência
A liberdade natural e s'atrofia
Com vãs águas desditosas
Que não voltam a passar
Nem moínhos volvem mover.
Só mesmo com razão são glosas
De histórias por contar
Memórias de entristecer.
Ela é mãe de todos os reis
Soberanos e presidentes,
De falsas e inúteis leis
E políticas aferentes.
Não há razão num desabrochar,
Em dar à luz, nascimento,
No fim da vida, perecimento,
Nem razão poderá haver.
Despe-se a natureza de mal,
Não é injusta ou sem dó
Para ela mesma, não há razão
Nem razão por si só.
A razão é irracional,
É ilusão, é mera punição
Ao pecado original.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Os detectives

Bom dia senhor boi, como vai!
Diz o burro - como tem pastado?
Aqui, nestes belos prados...
Responde - muito bem, muito obrigado.
Como vai o senhor burro, enquanto sai
Assim todo empavonado
Que nos deixa admirados?
Vou bem, senhor boi, vou bem,
Bem melhor do que ninguém.
Pois, senhor burro, bem tem ruminado,
Estou a ver... Por isso passa a sorrir.
Nada disso, senhor boi. Mas pela preocupação...
Obrigado! É mais para onde estou a ir
(Sorriso matreiro), com muita satisfação.
Num repente, chega o porco esbaforido
Com um traje colorido
A gritar como um demente,
Mas com ares de descontente:
Roubaram a estátua da praça
Mesmo à frente de toda a gente.
Olha que crime sem graça,
Intrigado, murmura o boi.
Diz o porco: ninguém sabe como foi.
Eu e o boi descobrimos - continua o burro
Ou não seja eu casmurro.
De quando trabalharam juntos, não já memória
Mas juntos descobriram - Fora o ourives!
Mas isso já é outra história,
Uma história muito engraçada.
Afinal... São os melhores detectives
Do reino da bicharada.

Sérgio O. Marques

domingo, 3 de agosto de 2008

Monstros do ID

Assombros sorumbáticos do julgamento
Condenados ao irreal degredo
Sito entre a mentira e a verdade,
Fronteira do sonho e realidade,
Consciência inconsciente do pensamento;
Monstros, habitantes da zona do medo
Entes errantes durante o momento
Em que a noite gelada
Se enconsta à quente manhã a dormir
E o dia canta em uníssona alvorada
O nascer do sol em arrebol fulgir;
Oriundos do contra-mundo,
Impelidores do sentimento à vertigem
Do nada e se cai no receio da viagem
Que traz à luz do sono mais profundo;
Invisíveis, só são porque se sente,
Porque se sabe que ali estão,
A entorpecer os corpo a enebriar a mente,
A lancear de mil raios o coração;
Vampiros, alimentam-se do flagelo,
Esse sangue que lhes dá vida e ser
E, na inocência, vivem do pesadelo,
Pois são eles filhos da escuridão;
Queria mostrar-lhes a salvação,
O caminho do sobreviver ao viver
Mas já não sou homem sequer
Para levantar os olhos do chão.

Sérgio O. Marques

sábado, 2 de agosto de 2008

Endonexo

A filosofia endógena
É de dentro para fora,
Cria-se com os olhos fechados
E se mostra quando abertos
Com a habilidade minuciosa de um artista.
E ela manifesta-se quase pura
A fazer o mundo que nos faz.
Assim se criam realidades, chamadas mitos,
Lendas que, sem serem boas ou más,
Vislumbram a perfeição que não têm.
Então, a filosofia exógena, maravilha-se
E floresce.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Perguntei

Perguntei a uma árvore verdejante
Onde frutos ia colher,
O que a vida tem para dar,
O que tem para oferecer.
Disse-me com jeito elegante:
Pergunta ao rio a passar
Onde me encosto a beber.
Perguntei ao rio
Que percorre tantas terras,
Porque é o viver fugidio
Arrimado em vãs quimeras.
Disse-me então a sorrir:
Pergunta ao mar, meu amigo
Pois para ele estou a ir.
Perguntei ao mar
Sereno e bravio
Qual seria o meu lugar
Neste mundo baldio.
Disse-me hesitante:
Pergunta ao luar
Que alumia a noite errante
Com seu brilho luzidio.
Perguntei ao luar
Com luz que me alimenta,
O que iria ser de mim.
Disse-me sem pestanejar:
Pergunta ao sol que me acalenta
E me faz brilhar assim.
Perguntei ao sol brilhante
Cujo brilho faz o dia
Porque sinto eu tristeza
E também tenho alegria.
Disse-me com firmeza:
Pergunta a uma galáxia distante
Com velha sabedoria.
Perguntei à nebulosa
Que de estrelas já foi mãe,
Porque a vida é tão penosa,
Causa sofrimento intenso.
Disse-me ela, graciosa:
Pergunta ao Universo imenso
Que nos fez e que nos tem.
Pergutei ao Universo
Onde existo, onde sou,
De onde venho, para onde vou
E que faço eu aqui.
Segreda-me um tanto disperso,
Com murmúrio de embalar:
A resposta que te dou
Sempre esteve dentro de ti
E aí sempre há-de estar.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 23 de julho de 2008

A doença de ser português

Apre rrre
Que infortúnio...
O tormento de ser estúpido
A doença de ser português
Bisbórrias na mesquinhez
Irra, rrra
Poder despir-me da inferioridade
Desta horrível mediocridade
Do vil cirro que me acirra
Qual pátria que m'embirra
Zzzz
Ai a zoeira
Me zune a fúria
Tal lamúria
Tão triste fado
Ffffuuummmm (na cabeça... a zirneira)
Só ser luso
Deixa-me irado
Povo obtuso
Chrrrr rach poagh
Escarro por mim todo
E a quem é lusitano
Gentinha do catano
Atolados no lodo
chiiii

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Nascer do dia

Cheiro a maresia
D'oiro e fina prata.
Marulham ao nascer o dia
Belos cabelos e uma fita escarlata.
São não sei bem de quem.
Dá-me um cumprimento matinal,
Aquele efémero beijo jovial
Da manhã que vem
E nasce a pipilar com tamanha euforia.
A faina fervilha de novo
E o milho assoalhado no chão
Canta com ostentação
Orgulhos da lide de um povo.
A rua sorri com alegria
Aos carros, carroças e carregos,
Aos animais do campo,
Aos burros e aos borregos,
Aos bois que vão passando
E deixam para trás
Verdes fieiras de pasto.
Um pregão loquaz
Dum vozeirão já gasto
Apregoa a cantar:
Quem quer carapau do nosso mar,
Sardinha vivinha a saltar.
Ó freguesa venha ver
O que tenho p'ra vender.
Di-lo muito a preceito
E nós seguimos a correr
A arremedar-lhe ingénuo jeito.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A casca

A Ana comeu a banana
Que era do seu namorado.
Tinha casca, a banana
Mas era bem do seu agrado.
Comeu o fruto que adora
E a casca deitou fora.

Passa um homem vivaço
Do espaço sideral.
Escorrega, cai no chão
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
No braço.

Também passa uma velha
Que já via muito mal.
Escorrega, cai no chão,
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
Na telha.

Logo atrás passa um velho
Com andar especial.
Escorrega, cai no chão,
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
No joelho.

A seguir passa o ladino José
Com casaco de cabedal.
Escorrega, cai no chão,
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
No pé.

Por fim passa a Tininha
Com aquele jeito fatal.
Escorrega, cai no chão,
Vai parar ao hospital
E leva uma injecção
Na espinha.

Era uma casca matreira,
A casca que a Ana lançou
No sopé duma sobreira...
Tanta gente escorregou.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 15 de julho de 2008

Um defeito na natureza

A fonte de todo o mal
Nada mais é senão
O pensamento racional
E toda a sua criação,
Obras, engenho e arte
A pulular por toda a parte.
Tem como, natureza, mazela,
O raciocínio, a razão,
O maior defeito nela,
Sua séria perdição.
Eivada, desespera
Qual criança carente.
Será o fim da biosfera,
O pensamento consciente
Com tristeza e alegria,
Amor e ódio pungente
E ganância em demasia.
Em razão pode ser tida
Como bem ser verdade,
O exterminar toda a vida,
Aniquila a humanidade.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 14 de julho de 2008

És mil rosas

És mil rosas que florescem viçosas
Em vasto roseiral de ametista
E várzea de paixões graciosas,
Maravilhosa escultura de um artista.

És o quente fogo púrpura e ladino,
Genuíno cravo de safiras ciano,
Rosa, da cor do mundo que pinto
E me inflama, doido, o peito insano.

És terno malmequer de nascer selvagem
Corado de rubro cerúleo ao fim da tarde,
Bruma rósea matinal meiga e alarde.

És a rosada fragrância de cem carinhos,
Doce inspiração de fresca aragem.
Colher-te-ia para mim, mas tens espinhos.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Espera o destino

Quando já nada te move
E a vida não te sorri,
Crê que o destino pode
Ter primo desígnio para ti.
Vê-lhe as mensagens, cada sinal,
Um cão que aos teus pés se aninha
E te torna assim especial,
Seres alguém que acarinha;
Aquela velhinha esquecida
Que de ti se lembra com saudade,
E foi sorriso na tua vida,
Foi-te alegria em terna idade;
A criança que te observa atentamente
E nem sabes o que quer,
Mas se ri candidamente
Num contágio de entorpecer;
O fim que te foi poupado
E te salvou, mão protectora
Como égide que te serviu de amparo
Pois não seria essa a tua hora;
Quiçá vivas para ajudar,
Trazer abrigo a um indigente,
Quiçá estejas para acompanhar
Aquela velha que te fez contente.
Quiçá seja a tua sina
Um gesto simples de embalar
Em berço de ébano uma menina
Que venha o mundo encantar.
Quem sabe, serás grande
Ou apenas feliz, estares em paz.
Tem esperança, sê preserverante,
Aceita o que o porvir te traz.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Paixão negada

De sul o vento soprou forte
Em telhado levadio
Levou-te, amor, bem para norte,
Deixou-me o peito vazio.

Sei que não querias sentir
O que o teu coração sente
De nada te serve mentir
Pois o teu olhar não mente.

Sinto o teu pranto silente,
E em silêncio por mim clamas.
Por mim passas indiferente e
Nem assim, amor, me enganas.

Essa espada que me corta
Tem lâmina onde te feres.
A tua dor não me importa,
Não me tens porque não queres.

Sei que a tua boca quer,
De meus lábios, terno beijo
E em mil rosas se perder
Saciada de desejo.

Este é o fogo da paixão
Que nos faz ardor intenso.
É incúria da razão
Nos trazer sofrer imenso.

Cuido em te dizer assim
Desde o dia em que te vi:
Foste feita para mim,
Eu fui feito para ti.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Tenho medo

Tenho medo
Um medo atroz
Desta sede de vingança
E este algo que me aflige,
Me dilacera por dentro.
Estou no escuro
Envolto pelas trevas mais profundas
Em pranto e dor
E gelo infernal
Em cada lágrima vertida.
Grito rouco e a voz
Não me sai, definha
Nem sequer perturba o silêncio
Escondido no meu peito
Vazio de luz.
Estou sozinho e com medo
Como uma criança perdida da mãe
No meio de um mar de gente.
Tenho medo de rir e de chorar
De morrer e de viver.
Não sei se é no ódio ou no amor
Que deva fundamentar os meus valores,
As máximas que me fazem ser.
Não sei se é a alegria ou a tristeza
Que tenho por fiel amiga
E levo sempre comigo.
Não sei se quero continuar
Pois nem sei para onde ir.
Ninguém me indica o caminho,
Estou só e perdido.
Não quero odiar
Mas tampouco não posso amar.
É como sentir sem saber o quê,
Um algo sem forma e medonho,
Tormento nos sonhos
Das noites passadas em claro
Em que só a manhã traz alívio
Efémero enquanto o dia dura
E a noite não volta de novo
Com o seu silêncio perturbado
Por ingénuos zuídos quase inaudíveis.
Se durmo, pudera estar acordado.
Se desperto, quisesse eu estar a dormir
De não saber o que sentir.
Ninguém me acena com vontade
Ninguém que me abrace sincero,
Que me afague enquanto choro.
Só, caminho e caminho incerto.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Piratas

Grito desesperado
A pedir a morte
Ecoa os sete mares.
Ronca o corsário irado
Injúrias à sorte
Do irmão decapitado.
-Vingança, vingança,
Clamam sombrios olhares.
Que se abata a matança
Daqueles cuja mão
Teceu as malhas da lei.
Morte aos nobres, morte ao rei.
Rasgava-se em pálida tez
A fúria que a tornava alva,
Aviltante coração
A adivinhar a nudez
Do vazio da alma
De quem quis ser pirata.
A lei só pune salteadores,
Só castiga quem mata.
Decapitam-se portadores,
Mensageiros da mortandade.
Corsários, apoiados por desonrosos
Governos, por impérios por formar,
São hoje heróis decorosos
Nas histórias de embalar.
Quem saberá ou poderá dizer
Que sejam, de agora, os monstros
A protagonizar os contos
Do futuro que há-de ser?

Sérgio O. Marques

domingo, 29 de junho de 2008

Fado

Amália tinha uma porca
Chamada Camélia.
Sempre que a porca ia,
Toda a gente dizia:
Lá vai Camélia,
A porca da Amália.
Amália tinha uma cadela
Chamada Cândida.
Sempre que cadela ia,
Toda a gente dizia:
Lá vai Cândida,
A cadela da Amália.
Amálida tinha uma mula
Chamada Fermosa.
Sempre que a mula ia,
Toda a gente dizia:
Lá vai Fermosa,
A mula da Amália.
Amália tinha uma pata
Com uma trela.
Sempre que a pata ia,
Toda a gente dizia:
Lá vai a Amália
Com a trela na pata.
Quando a Amália cantou
A porca grunhiu,
A cadela ladrou,
A mula relinchou,
A pata cacarejou
Lá Lá Lá
Ronc ronc ronc
Ão ão ão
Ió ió ió
Qua qua qua
Mas que concerto afinado,
Quão lindo, era fado.
Uau! Fado era,
Era o fado da Severa.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Passa

Passa brando aceno jovial
Cortês. Singelo passa
E quando passa, abraça
Sorrisos de um amor cabal.

Quem quer que passe o ama
O asceta que se faz crer
Cândido que a alma inflama.
Mais puro não podia ser!

Olho, vejo-lhe o veneno.
Olha-me! Sabe que o temo.
Só eu lhe vejo o mal ruim
Mas sou louco por ser assim.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 24 de junho de 2008

Astros

Olho o céu e miro, fascinado
Os astros no seu movimento perpétuo
Ao sabor das equações seculares.
Não sei se são mestres do fado,
Se nos sabem o destino incerto
Ou se fluem espectaculares
Numa harmonia celestial,
Sabedores de física-matemática.
Sinto, no sangue, tamanha extática,
A sua maravilha que me ferve,
A sua inteligência fenomenal
Que me inflama todo por dentro:
-Eles que nos mostraram o tempo,
Nos ensinaram as estações,
Cujo exímio bailado nos serve
De guia, nos vela à noitinha,
Nos orienta e nos adivinha.
No seu seio borbulha a alquimia,
Toda a química que nos faz matéria,
Que nos forma o corpo e carne,
Material invólucro de sensações.
E tudo isso é estonteante magia,
Pois, para nós foram criados,
Para, por nós, serem vislumbrados
Depois do pôr do sol de cada dia.

Sérgio O. Marques

domingo, 22 de junho de 2008

Desiste

Caminha só nas escaldantes
Areias do deserto.
Os lábios crestados pelo sol
Imploram um pouco de água,
Nem que seja uma pequena gota.
Sente que do destino está perto,
Que se vai cobrir com um lençol
Doirado num berço de seda fina,
Palácio maravilhoso.
São só miragens a trazer ilusão,
Apenas o aguardam as noites frias
Da escura solidão.
Avança denodado, sequioso
Companheiro da esperança
Enquanto esta não o abandona.
Avista oásis mirabolantes
Povoados de gentes espampanantes
Alimento da perseverança,
O veneno do coração
Do ser incúria da decepção.
Com lânguido cambaleio
Prostra-se, mãos na face,
Joelhos no chão
E tantas lágrimas por chorar.
Nada mais o alenta,
Nada mais o acalenta.
Olha para trás e o que vê?
Tão somente as suas pegadas
Apagadas pelo vento
Da vida que já nada tem para lhe dar,
Nada para o fazer lutar.
Desiste no meio de nada
E no nada cai.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Aldeia adormecida

Naquela aldeia desconhecida
Ao ocaso, bela, adormecida
Badalam as trindades roucas
Canto triste do velho sino.
Das janelas apagam-se luzes poucas
Que não se chegaram a acender.
Ao relento passeia um menino...
Mas que menino pequenino!
Que andará por ali a fazer?
Não chora, nem ri
Apenas passa por ali
E por ali não há mais nada.
Pelo crespúsculo iluminada,
Toca a torre tristes trindades.
Lá bem no alto, dança o carvalho,
Ao canto dos anos e das idades
Tão sereno como a brisa
Das quentes manhãs de orvalho.
Além pára o menino,
O menino pequenino
A beber água da fonte
Cristalina como o orvalho,
Lindas pérolas de seda lisa
Vestem as folhas do carvalho
Imponente ao fim do monte.
Ao dilúculo ganha vida,
A aldeia adormecida
Mas não tanta vida assim.
As ruas cheiram a jasmim,
Rosmaninho e alecrim,
Ouve-se ténue, fraca voz
De anciães, olvidos avós
Sem se escutar o que se diz.
É uma aldeia feliz.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Difícil amar

É mais fácil prosternar,
Construir a destruição
Dum afoito arruinar
Num feroz arrojo ao chão.
Difícil é ter a coragem
De, do nada, edificar
Alento e, com paixão
Voar, seguir viagem.
É mais fácil condenar
Fútil erro oco e vazio,
Vão engano, um tropeçar
Do destino gelado e frio.
Difícil é saber perdoar
Com imenso céu no coração
Um mesquinho atraiçoar
Preciso de redenção.
É mais fácil ferir,
Trazer a morte, o sofrimento,
Mutilar, fazer cair,
Causar descontentamento.
Difícil é poder salvar
Do mal a quem carece
De um abraço, é saber escutar
Duma lágrima, aflita prece.
É mais fácil odiar.
Difícil é amar.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 12 de junho de 2008

O burro pintor

Andava azafamado burro
Com tinta de vivas cores
Na berma, a pintar o muro
Que dava para o lado da rua.
À margem, comentavam os doutores
Da engenharia do momento:
-Mas que obra essa tua,
Sem qualquer planeamento!
Diziam o boi, o bode e a cabra.
O cão, esse, não se manifestava,
Achava a pintura engraçada
De tons garridos sem condizer.
Luzia o sol do meio-dia
A crestar as carapinhas
Das pombas e das galinhas
E de toda a bicharia.
-Vou para dentro, vou comer.
Falava o burro aos engenheiros.
-Aqui ninguém quero encostado
Porque a pintura está fresca.
Não quero isto estragado,
Ou então vamos ter festa.
Asseverava com relinchos certeiros.
Gozava o burro, o boi
A limpar o suor da testa.
Nesse instante, o burro foi,
Logo os outros o seguiram,
Para almoçar, indo se foram.
Muito não tarda, passa o porco
Com um andar taralhouco
Arrimando-se á parede pintada
Degustando uma cigarrada.
Quando este segue viagem,
Deixa a parede cunhada
Com uma aterradora estampagem.
Logo que o boi chega, chega o burro
E apreciam tamanha obra.
-Isso foi a última vez!
Grita, com ira de sobra
E defere o burro ao boi um murro.
Estava o boi inocente
A pagar pelo que não fez.
Irascível, num repente,
Responde, à altura, à marrada
Armando-se, assim, um reboliço.
Por eles passa o porco
Com o mesmo andar taralhouco.
Trazia nas costas um castiço
Desenho de muitas cores
A causar inveja a senhores.
Foi a criatura injustiçada
No reino da bicharada.

Sérgio O. Marques

domingo, 8 de junho de 2008

Amor condenado

Um dia amei alguém.
Não me amava, amava outrem,
Que já não ama, ama-me a mim.
Porque tem a vida de ser
Tão complicada assim?
Não sabia o que sentir,
Se chorar, se queria rir,
Se a querer esquecer.
Definhei, extenuei,
Muitas lágrimas derramei,
O meu refúgio encontrei
No regaço de outro alguém.
Foi um amor enganado,
O nosso amor, amor danado,
Condenado à razão.
Não perdemos ocasião
Em entregar o coração,
Ainda nos desejarmos.
Nos amamos, nos amávamos,
Só então não nos quisemos.
Quiçá não nos merecíamos,
A querermo-nos merecer
Na paixão, no desejar
No nos querer, nos amar.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 3 de junho de 2008

Ovar

Ovar,
Não oval
Tem mar
Cheira mal,
Não a mel
Nem a mil
Rosas do rosal:
Gente mole,
De tão vil
Sem brio,
Nada vale.
Terriola de Portugal
Sem outra com nome igual:
Ovar.
Na ria
O rio
Desemboca
A porcaria
Por um fio
Que se fia
Em água pura
Que não pára
A amargura.
É à medida do país,
Coisa infeliz.

Sérgio o. Marques

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Especulação

Especulação,
Ideias são
Senão tudo aquilo que não
Fazem parecer que são.
Teorias
E fantasias
Põem a fome na boca das crianças.
Afinal, de quem o mundo é posse,
Leis inúteis?
Quem o mundo tem,
Coisas fúteis?
(Catarro e tosse,
Da poluição
Enquanto aguardo resposta)
...Nada, porque não faz sentido
Tanta especulação.
Especular, a imaginação
De leis como estas
Evidenciam tino
Na estupidez das bestas.
Não se matem
Nem nos levem convosco,
Especuladores do fosso.
Vivam e deixem viver.
Sejam humanos como devíeis ser.

Sérgio O. Marques

sábado, 31 de maio de 2008

Ó Portugal

Ó Portugal, tu que tanto choras
O há muito que quem não te faz, o povo
Valeroso de outras épocas, outras horas.
Ó Portugal, parar, não te faz mais novo.

Vira-te para diante que o passado era,
Foi aquilo que não volta a ser, a quimera
Do que foi esquecido ou já nem é lembrado.
Canta um alegre destino, não um triste fado.

Abre os braços da beleza à primazia
Do teu valor infindo, aconchegando
No teu regaço, o cristal do bom auguro.

Ouve o silente brado desta gente, aqui
Clamando por um majestoso futuro,
Por alguém que te governe, a pensar em ti.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 27 de maio de 2008

Viver pela verdade

O homem que vive pela verdade,
Conhece mais alto
Sente na alma a plenitude
Do céu, a humildade.
Iluminado,
Vislumbra o caminho da vida
Da escuridão à sã virtude
Há muito tempo esquecida.
É maior em seu ser,
Estar uno com o mundo,
Amar sem escolher,
Num se entregar profundo
Ao próximo, servir em submissão
E mesmo assim sorrir
A pureza de coração.
Um homem assim
Grande num amanhã porvir,
Não morrerá para o seu fim.
Viverá eternamente
Pois estará em paz plenamente.

Sérgio O. Marques

Hino à porcaria

Em tanta merda
Definha um povo
Num monte de esterco monumental.
A porcaria já mete nojo,
Já enjoa e cheira mal.
Chafurdam os porcos
Nesse degredo,
No seu próprio excremento,
É do nosso conhecimento
Pois isso já não é segredo.

(Refrão)
Às armas, às armas
Sobre a terra, sobre o mar
Às armas, às armas
Dar meia volta e pôr-se andar.
Contra os canhões
Guinchar, guinchar!

Desfralada a invicta bandeira,
Um lindo bocado de pano,
Limpa o vómito à bebedeira
Para depois se meter no cano.
Pode servir
De fralda descartável
Onde se fazer umas poias
E com espertezas saloias
Fazer-se um ar mais agradável.

(Refrão)

De enxurrada
Vem aos montes
Tanta merda em catadupa
Da assembleia onde ela é feita
Até o povo que a chupa.
Estão sempre à rasca,
Capitalistas
Por fazer mais esterquice.
Deixar o país na miséria,
Deixar o país na imundice.

(Refrão)


Esta letra foi integralmente escrita por mim. Qualquer semelhança com outra letra já existente é pura coincidência.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Mais um dia no reino

Ia,com passo apertado, o cão
Tirar a carta de pesados
Para a escola de condução.
Alguns minutos passados...
-Onde vais tão apressado?
Pergunta o porco sorridente.
-Vou á escola de condução
Que fica ali do outro lado.
-E tu? Pergunta o cão paciente,
Detendo-se firme no passeio.
-Vou comprar uma bandeira
Meia verde, meia vermelha,
Com uma bola amarela no meio.
-Para que queres o lençol?
Pergunta o cão curioso.
-Para hastear no quintal,
Pois sou muito orgulhoso
Por viver neste país.
Ao desfraldar a bandeira,
Mostro à nação o meu respeito,
De uma excelente maneira,
Segundo aquilo que se diz.
-Faz muito bem este sujeito.
Pensa o cão apreensivo
Enquanto cumprimenta a vaca
Que passa de avião.
Mal podia imaginar
Que o famigerado distintivo
Serviria para forrar a cloaca
Da latrina do suíno.
Despede-se e vai entrar
Na escola de condução.
-Tchau - acena o porco ao cão
Entrando na loja para comprar o pano
Que usaria para forrar o cano.
-Do resto, faço um tapete
Para a entrada da retrete.
Pensa o porco animado.
Mais adiante, na mesma rua
Oberva o gato malhado:
-Mas que larica tu tens.
Há já algum tempo te vejo comer
Tantos pacotes de manteiga.
-Eu só quero as embalagens...
Pia o pássaro com voz meiga
Que é levada pelo vento.
-Para fazer uma escadaria
Com uma bela esquadria
Para o meu apartamento.
Mais além, nesse momento,
Encontram-se o burro e o boi a conversar
Mano a mano na esquina
A mangar com a galinha
Que por ali vai a passar.
Entratanto, acaba de forrar
O porco a sua sentina,
Feita só para defecar.
Logo depois passa o cão
A conduzir um camião
Já com a carta na mão.
Vai com uma velocidade danada.
Leva-se uma vida agitada
No reino da bicharada.

Sérgio O. Marques

sábado, 24 de maio de 2008

Estrada da vida

Caminho por esta estrada
Solitária. Só as pedras
Me acompanham os pesados passos
Num desdouro de nada.
O que lá vem, ora são quimeras
Ora erros crassos,
Mais nada de interessante.
Quem por mim passa, ri.
Ri como um infante
Tão contente de si.
Não sabem que choro por dentro
Mas mesmo assim ririam,
É o comburente do seu alento.
As pedras caladas
Dizem-me o que quero ouvir,
O estar calado.
Se andassem, não me pisariam,
Desvairadas
Caminhariam ao meu lado.
Só eu as piso e não queria,
Não o posso evitar.
Mas não as calcaria,
Sentar-me-ia a conversar,
A meditar em nada,
A desdizer o que ficaria.
Tenho de continuar.
As árvores abraçam esta estrada
Com flores e frutos ao fim.
Além a felicidade
Espera por mim,
É verdade.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Medo de viver

O medo é da carne a fraqueza,
A sua única doença, vil sazão.
A morte, da vida é natureza,
Não o seu mal ou perdição.
Acreditar, do espírito, a pureza,
Na alma que de vida o corpo alenta,
No amor, a Palavra que é o pão
Ânimo de liberdade, acalenta.
Sorvamos essa carne, esse sangue são
Sem recear morte que nos faz temer
Dissipemos o medo de viver.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Cinco elementos

Os cinco elementos naturais
Em cada esfera reinam,
Reinos celestiais.
Cinco elementos unos habitam
As céleres esferas,
A água, o fogo, o ar,
A terra, o éter todos um só,
Uma pedra filosofal
A mover-se, qual mó,
Em correntes etéras.
Transforma um em cada qual
E cada qual em cada um de si
Metamorfoseando-se no bem
Depurando o mal,
Muta o chumbo em auri
Ouro brilhando no firmamento
Deste universo imenso,
Ao som do movimento das esferas.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Suicídio

Desliza pela face em pranto
Uma lágrima cristalina
A tecer esbelto manto.
Traz no peito imensa dor
E na mão uma flor.
Como a chuva, cristalina,
Escorre pelo semblante
Uma lágrima pura e fina
Do mais vivo diamante.
Traz na mão uma flor
Para dar ao seu amor.
Uma lágrima fina e pura
A lembrar tanta amargura.
Queda-se ali e ali vem
Dia a dia, mais ninguém.
Só, se esvai em pleno choro.
Traz na mão uma flor.
Desejava jazer morto
Como jaz o seu amor
Desde o dia aziago.
Traz um punhal afiado
E na mão uma flor
Para dar ao seu amor.
Ali expira ao seu lado,
No peito, o punhal afiado
E na mão uma flor
Bem ao pé do seu amor.

domingo, 18 de maio de 2008

Quando o burro foi ao médico

Quando o burro foi ao médico,
Vestia-se bem a rigor
Para se mostrar ao doutor.
Trazia umas calças de fazenda
E um elegante casaco sérico
De fazer grande furor.
Queixa-se com aflição:
-Senhor doutor,
É mui dura esta senda,
Não suporto esta dor.
Dói-me o tórax, a barriga,
O abdómen e o coração.
A garganta não arriba,
Nem o rim, nem o pulmão.
Na cabeça tenho dores,
Sinto nos músculos fadiga
E dos membros inferiores,
Já nem sei o que lhe diga.
Nos olhos tenho ramela,
Nos ouvidos, uma maleita
Que não sei a causa dela,
Pois que tanto cerume deita.
Returque o galeno apreensivo
Com uma ar de entendido:
- Sofrerá o senhor de apoplexia
E à mistura, hipertensão.
Juntamente com a hipotonia
Fustigam músculos e coração.
Na garganta, deve ser gripe
Nos olhos, conjuntivite
E nos ouvidos, uma otite,
Uma séria inflamação.
Diz o burro preocupado:
- Senhor doutor, estou tramado!
-Caro amigo, não se apoquente.
Diz o médico ao paciente:
-Para todo esse mal...
Falava com ostentação.
-Eis aqui uma panaceia,
Com cariz universal
Que a tudo remedeia.
É da última geração.
Continua, o médico, com atitude:
-É o elixir da juventude.
Mesmo que não o rejuvenesça,
Lhe cura essa doença.
Entrega ao burro, o doutor
Um copo cheio de líquido
Sem cheiro e sabor insípido.
-Senhor burro, beba tudo.
Diz o doutor com ar sisudo.
-Beba tudo até findar
Que isso é para o curar.
Passado um dia...
Grita o burro atarantado:
-Olha que bom, estou curado,
Sem mazela ou qualquer mágoa.
Mostrava uma grande alegria.
Tinha sido o burro sanado
Com um simples copo de água.
Foi mais uma criatura curada
No reino da bicharada.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A segunda salvação

Quem abraça um indigente
Como se fosse um irmão,
É ser grande de coração.
Feliz de quem é clemente,
Feliz de quem vive na indulgência
E espera com paciência
A sensata justiça divina.
Será ditosa a sua sina.
Grande é o servo
Que podia ser amo,
Bem-aventurado na humildade
Pois está bem perto da verdade.
Vence do caminho a dureza,
Mas verá a sua beleza.
Denodado, quem oferece
A face, ama o inimigo
Para lá do impiedoso pungido,
Ainda assim se compadece.
Verá o esplendor,
A transcendência do amor.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Quando a vaca entra

Estava o bode no tasco
A beber vinho dum frasco
E a conversar com a cabra.
Diz o bode, apontando a porta:
-Se por ali entrar uma vaca,
Deixo-vos sem me despedir.
Mostrava-se intrigada a porca
Com o que acabava de ouvir.
O bode então continuou:
-Se a vaca vier, eu vou.
-Quiçá
A vaca não venha e eu não vá.
Quando for assim, vós já sabeis porquê.
-O quê?
Questiona a cabra apreensiva.
Naquele insante
Entra a vaca esbaforida.
O bode sai
E sem se despedir, lá vai.
Sai sem dizer mais nada.
Para trás, ficaram a porca mais a cabra
E a vaca.
Foi uma cena deveras intrigante
No reino da bicharada.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Filhos do tempo

Vós, filhos do tempo,
Mansageiros da eternidade
Conhecedores da verdade
Ouvi o meu lamento,
Levai-o para lá da velha torre,
Para lá do monte,
Para onde não mais se chore,
Muito além do horizonte
Muito mais além
Onde não mais haverá ninguém.
Limpai-me, deixai o meu peito vazio
Com o vento do vosso sopro.
Sei que sequer não sou digno
De me deplorar a vós.
Sou ser insignificante
Mas sofro,
Vivo num sofrimento atroz,
Nesta imensa aflição.
Tende de mim compaixão.

Sérgio O. Marques

Sã comunicação

Primeiro chega o verbo
Pronunciando a acção.
Ajuntou-se ao advérbio
Mudando a significação.
Numa nova circunstância
Adquirem outra substância
Em cada situação.
Seja onde, como e quando,
De que modo, forma ou estado,
Mesmo com o advérbio ficando,
Fica o verbo conjugado.
A quem dita o verbo a acção?
Ao sujeito, concerteza
Com muita determinação
E um pouco de destreza.
Depois aparece o adjectivo
Que aponta ao substantivo,
Uma certa qualificação.
Ainda se põem artigos
Definidos ou indefinidos
Junto dos substantivos
Para indicar como e quantos são.
Para tratar das relações
Entre as várias orações,
Lá estão as preposições.
Assim se firmam as bases
Naquela módica reunião
Para bem formar as frases
Duma sã comunicação.

(A continuar...) Sérgio O. Marques

domingo, 11 de maio de 2008

Minha doce amada

A minha linda amada
Sublime beleza,
Maravilha da natureza
Encanta, a encantada.

O meu belo amor
Chama ardente,
Dança impaciente
Arde com ardor.

A minha enaltecida paixão
Esbelta escultura
Duma arte futura
Entoa inspiração.

A minha doce vida
Soberba harmonia
Aroma a maresia
Marulha, minha querida.

Marulha, entretida
Com inocente euforia
Onde adormeço e me perco
De tão perto e desperto.

Sérgio O. Marques

Saber ser

Saber voar
Com pés assentes em terra
Saber lutar
Sem ter de ser em guerra
Saber ouvir
Quem espera impaciente por falar
Saber abrir
A mente que se acaba de fechar
Saber ofertar
O que de mais valioso temos
Saber libertar
Tudo aquilo que para nós queremos
Saber ver
Aquilo que está para lá de cá
Saber receber
O que vem de lá para cá
Saber precipitar
Num abraço desconhecido
Saber amar
Com a coragem de um destemido
É saber ser maior
É estar mais alto
É do frio sentir calor
É chegar ao céu num salto

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Oxidação entrópica

É culpa da entropia
A fatalidade de morrer.
Esta aumenta noite e dia
Porque assim tem de ser.
Ai o oxigénio que não perdoa
Sem sentimento
A idade avança oxidante
Oxidando à toa.
Qual descontentamento
Acaba por acontecer,
A respirar, envelhecer
Por oxidação celular,
E viver sempre a respirar.
Com os neurónios ferrugentos
E sem qualquer emenda
Ficam os velhos rabugentos,
A combalir até ao fim.
É a entropia que aumenta
Mas tem mesmo de ser assim.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A jantarada

Decidiu-se, num certo dia,
Comer, o burro, contraplacado.
Só farpas de burro se via
Por tudo quanto era lado.

O boi que mal esperava
Por devorar dinamite
Sempre que este se peidava
Atingia os cento e vinte.

O cão que era destemido,
Por aquilo que se diz,
Comia urânio empobrecido
E tirava raios X.

A comer barro a galinha
Com tanta gula de esgana
Cagava jarras em linha
Da mais fina porcelana.

O porco que era chorudo
E se fazia de amável
Comia cós de veludo
Para um cagar confortável.

A burra e a vaca bebiam
Copos com águas de rosas.
Assim sempre expeliam
Umas bufas bem cheirosas.

Por agora me despeço
Depois desta jantarada.
É só gente de dar apreço
No reino da bicharada.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 6 de maio de 2008

Do sonho ao mito

Do sonho nasce o mito,
As fantásticas diegeses
De viagens e apoteoses
A oscular o infinito.

No sonho, o encanto
Misteriosas criaturas
Cria, estende o manto
A lautas sãs bravuras
De lutas sem guerra.
Cobre de branco a Terra
Com tanger dum canto brando.

Do mito, cresce o sonho
Ora afável, ora medonho.
Alucinam-se efemérides
Por entre dédalos e labirintos
Talhados em finas égides
Sob a essência da mente
Aquando de si insciente.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Mas que merda

Conforme o comentário que fiz no poema Liberdade, Igualdade e Fraternidade, decidi escrever um "poema de merda" para quem não gosta de outra coisa.

Gente portuguesa


Cantinho de gente lerda
Que, presumida de sagaz,
Só consegue fazer merda
Para além da merda que faz.

Outra tanta mais matreira,
De emigrantes do momento
Agarram na merda estrangeira
E trazem-na portas adentro.

Olha, grande país de merda
Duma merda sem igual
A qual todo um povo degreda
Na merda de Portugal.

Uma poia mal cheirosa,
A selecção nacional
É demasiado pastosa
Para limpar com jornal.

Mas que palavra sonora
("Merda") para fazer poemas.
Come-se sempre e a toda a hora
Ainda se usa em esquemas.

Que lindas obras de arte
De artistas geniais.
É merda por toda a parte
Cagalhões e muito mais.

Toda a gente junta a cagar
De mãos dadas, no mesmo instante
Fazia-se de merda um mar
Para navegar o infante.

Para quem estas linhas ler
E se pensa pessoa esperta,
Aproveito para dizer:
"Quem não gostar, coma merda".

Um poema de merda para os merdosos. Desculpem-me os outros qualquer coisa.
Sérgio O. Marques

domingo, 4 de maio de 2008

Mulheres imorais

Libidinosas
Mulheres imorais
Vil beleza
Bebem da carne a fraqueza
Pecados mortais

Voluptuosas
Mulheres lascivas
Soberanas da libido
Amoldam divas
Doce perigo

Deliciosas
Mulheres bem feitas
Sabor sensual
São curvas perfeitas
Pecado original

Vaidosas
Mulheres ousadas
Vestem fino ouro
Ninfas namoradas
Um tesouro

Preciosas
Mulheres ladinas
Andar coleante
Torna-se delirante
Extasiantes meninas

Venenosas
Mulheres sedutoras
Musas tentadoras
Ferem o coração
Com o beijo da traição

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Estas palavras

As palavras aqui apostas
Advêm de impulsos difusos
Um tanto ou quanto confusos
De cerebrais funções compostas
Sob a capa dum momento
A fluir no espaço-tempo.
E são a termodinâmica,
Química e física quântica
Que são fruto dos impulsos
Que intentam de explicar:
Uns calmos outros convulsos
Ou até de estropiar.
Outros impulsos estas lerão,
As palavras que aqui estão.
Acabam por começar
A mais impulsos gerar
No sabor doutro momento
Noutra cabeça, noutro tempo.
São os sinais da inteligência
A moer na consciência,
A falar ao coração
De quem as lê com atenção.

Sérgio O. Marques

Sistema I

A história caótica do espaço de fase
Aumenta a incerteza da trajectória
Do sistema, dinâmico, sem memória.
Assente a posição, fica o momento sem base.
Certo o momento, incerta a posição,
O estado actual perde a razão.
Quando se pretende saber o que passa
Toda a sua descrição colapsa,
A partir da qual, nova situação.
E lá vai o sistema esquecido
Do que havia acontecido.

Sérgio O. Marques

A censura silenciosa

A dor profusa no silêncio adormecido
Escorre ímpia numa dança mirabolante
Corpo acima. Segreda-nos ao ouvido
Vãs promessas dum amanhecer distante
Turvo num auguro oco de sentido.
Serpeia suave, delineia carícia ardil,
Engoda, engana, tolha, torna infantil
O discernimento, a certeza do se ser.
Sou surdo em a ouvir, sou cego em a ver,
Sou triste se com ela me sinto bem.
Quero de mim ser senhor, ser pensante,
Quero pensar mais alto, ir mais além,
Viver humilde num mundo honesto,
Num mundo nú, despido de proveito.
Viça-se silente a preceito,
Nas trevas cresce, aumenta lentamente.
Os seus tentáculos parasitários estende
Para nos abraçar, para nos tragar
E nos tirar a vida sem darmos conta.
É cruel tirana da escravatura,
Trazendo a democracia na boca,
Afã da penúria, amiga da amargura.
Numa mão, traz flores de maravilhar;
Na outra, um punhal para nos matar
E na terceira, um dedo que nos aponta,
Que nos acusa de sermos pobres
com pregões de valores nobres.
Aperta e cinge, vil afronta
Como é hipócrita, como é louca.
Ela, que nos conhece plenamente
Mas nada é sem nós, felizmente.
Ardilosa, faz-nos acreditar e descrer
À sua vontade, a seu bel-prazer
Moldando arbítrios sob falsa moral.
Dissimula de ciência a técnica
Sem qualquer máxima, sem qualquer ética,
Engodo apêlo, engano sentimental,
Hasteia bem alto a bandeira da salvação
Sempre que semeia o terror, a destruição.
Impinge a fome e depois sacia,
É déspota e mártir da sua própria ira
Num áspero afago com mão macia
Que nos prende a consciência,
Porque tudo o que é, é mentira.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 29 de abril de 2008

O porco e o cordeiro

Caminhavam o porco e o cordeiro.
Lado a lado,
Seguiam com passo certeiro.
Dizia o cordeiro animado:
- Hoje o dia correu-me bem
E o trabalho foi de vento em popa!
O porco, com um sorriso forçado
A alindar tão fina roupa
Escondia do pobre o desdém.
É rico mas vive triste.
De mansinho com o punho em riste,
Com ligeiro movimento
Acerta-lhe na nuca um bofetão.
-De onde veio a agressão?
-Foi o vento, meu amigo, foi o vento!
O que depois se passou... não sei,
Não posso acrescentar mais nada.
Sei porém que o porco é rei
No reino da bicharada.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 22 de abril de 2008

Segue adiante

Segue, meu amigo, adiante.
Para trás fica a dor lacinante
Do tempo perdido, da luta travada
Na arbórea ladeira escarpada.

Segue com coragem de vencedor,
Abre o teu caminho sobre cerrada
Aflição, vence à noite o temor,
Corre, que a hora já vai adiantada.

Segue, que, de tão longe, tão perto
Está o destino. Quase lhe toco.
Avança! Que lá chegar é certo.

O dia alumia enquanto desistir jamais
Será opção. Anda, pois correr é pouco.
Segue adiante que recuar não dá mais.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O beijo duma flor

Cheiro-te, flor.
As tuas pétalas ardentes
São rosas que brotam do meu amor
O perfume dos teus lábios quentes.
O teu sorriso aquece
A certeza do meu desejo
De cerúleos miosotes,
Dum doce gosto amargo que não se esquece
Perdido no beijo, o ensejo.
A tua voz em verso
Desenvolta em delicadas gloses
Ao vento, um segredo disperso
Canta em serenas melodias
E só eu as sei ouvir.
Lindos lírios purpúreos
Como lágrimas cristalinas, luzidias,
Singelas gotas de chuva a cair
Suave sobre campos popúleos
Cobrem o chão de cravos e papoulas
Coloridas no teu corpo perfeito.
És ninfa sobre o meu leito
Valerosa, entre guerreiras afoutas
Vindouras duma paz erguida,
Mensageiras do amanhecer.
Dás-me força, dás-me vida
Rejubilas o meu ser.

Sérgio O. Marques

sábado, 12 de abril de 2008

Arrimado o burro

Arrimado na taberna,
Seguro o burro por uma perna:
- Como sabendes,
Aquilo que fordes
Ou que fizerdes
Sem o serdes,
Mal parcendes.
O quê? - Grita o boi com um urro.
A cabra montanhesa
Coçava a cabeça
Enquanto continuava o pardal piando.
-O vinho aqui é bom! - resume o burro
E sai gaiando...
Mais a cabra.
E assim se vai andando
No reino da bicharada.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 9 de abril de 2008

As duas

Por onde corria a Maria,
Também corria a Sofia.
Sempre que a Sofia corria,
Logo a outra lhe seguia
Numa grande correria.
Quando sorria a Maria
Também se ria a Sofia.
Era tempo de folia
Até que funéreo dia
A Sofia não mais correu,
A Sofia não mais sorriu.
...Porque a Maria caiu.
...Porque a Maria morreu.
Foi triste a desilusão.
Sei que juntas correrão
Num bocadinho do céu.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Um feitiço de encantar

Abracadabra
Pêlos de cabra
Rola e rebola
E zuuuum...
...um coelho da cartola.

Pim catrapim
Pozinhos de perlim pim pim
Um feitiço de encantar
E zuuuum...
...uma pomba a voar.

Zás catrapás
Zirlintum, zirlintás
Catrapim, catrapaz
E zuuuum...
...o mundo cheio de paz.

Ai se eu fosse feiticeiro...

Sérgio O. Marques

domingo, 6 de abril de 2008

Ó Humanidade

Ó Humanidade,
De andar erecto insolente,
Das espécies déspota prepotente
És a vanglória da vaidade.
Ó Humanidade desumana,
De onde o saber emana,
Esquecido o coração
Conheces os segredos da morte
E causas destruição.
Será triste a tua sorte.
Ó Humanidade insensata,
Revê-te na tua história:
Na guerra não há glória,
No ódio não há perdão.
Não vês que isso te mata?
Ó Humanidade, a arrogância,
Os ditames da ganância
São a tua perdição.
De nada vale supérflua riqueza.
De nada serve o excesso,
A semente da tristeza.
O ser feliz não tem preço.
Ó Humanidade arrogante,
A mestria na tortura
Trilha os trilhos da amargura
Sob solo beligerante.
É o que te faz aviltante.
Ó constrangida Humanidade,
Em ser livre nada és.
És de ti mesma uma escrava
Submissa de lés-a-lés.
Isso assim não leva a nada,
O não creres na liberdade.
Ó ímpia Humanidade
Apregoas a justiça, defendes a alegria
Pois te veste a hipocrisia.
Preferes primar pela discórdia
Esquecendo a misericórdia
Nas sendas do dia-a-dia.
Ó Humanidade
Quão pesado é o fardo
Que te pesa em cada mão:
Discernir o bem do mal
Como forças da natureza
Num equilíbrio natural.
Anseias a Salvação.
Ó Humanidade, ainda há tempo!

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Onda de impacto

Vibram átomos e moléculas de ar
De acordo com as equações
Da física-matemática.
Mas na prática,
Destroem tudo à sua passagem.
Não há mistério nenhum.
Catrapum...
Não fica sequer torre de menagem
Para deixar recordações.
A culpa não está nas equações.
(Nem pode estar.)
Não adianta tal pensar:
São leis
E são para se cumprir,
Vós já sabeis.
Onde está a culpa?
Não tem desculpa.
Bem...
Estou com sono, vou dormir.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Quando por mim ela passa

Quando por mim ela passa,
Nem dá conta. Passa ela
Dando ar de sua graça.
Como é linda, como é bela.
Flutua como o vento,
Voa alto com o tempo,
Por mim passa e não espera.
Poder abraçá-la... quem me dera!
Poder tê-la... uma quimera.
Passa por mim fugidia,
Bravia de atarantar.
Ela parece uma estrela
A espreitar no horizonte
Sem receio de luzir.
Escorre como a água da fonte
E por mim passa a rutilar.
Sei decerto que um dia
Lá terei de acenar
Para poder ir com ela.
Passa por mim, como é bela.
Tem a forma de uma estrela
Para eu poder seguir.
Vou segui-la, minha estrela.
Como é linda, como é bela,
Como pode ser fugaz.
Não a vou deixar partir
Sem poder dormir em paz.

Sérgio o. Marques

segunda-feira, 24 de março de 2008

Jogo de palavras

O matador na mata mata,
Fica mal a marta morta.
No morro a amarra por uma pata,
Feito porte, a marta porta.

De leve leva morto
O animal debaixo de asa
E ali perto aporta ao porto
Onde mora, mera casa.

Em brando canto o conto conta
Deixando a gente um tanto tonta
Que lindo bicho morreu no morro
Sem poder pedir socorro.

Num saco seca a morta marta
E casa um caso mal casado.
Cheira a marta mal que farta
Não dá cozido nem assado.

Sérgio O. Marques

domingo, 23 de março de 2008

Amar

Amar é saber ser
E a alegria de existir.
É a vontade de querer,
Em ser feliz, poder servir.

Amar, em si, a vida é
Como é de si forma mais bela
E dá-la mesma por outra ela
Num excelso enlevo de boa-fé.

É o desígnio da verdade
Da deidade, o esplendor.
É a derradeira liberdade
Sem condição, é ser amor.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 20 de março de 2008

Paciência

A paciência é uma ciência.
Quem espera sempre alcança
A fortuna da vivência.
Quem desespera fica preso
Aos ditames da lembrança
Que apaga o fogo aceso.
Olhar de frente ao provir
E ter fé no que está p'ra vir
É da vida boa opção ter.
É ter coragem de seguir
Sem parar de bem viver.
Olhar p'ra trás é passado
Do que foi antes de agora.
Subverte o aprender
A rectificar o errado.
Quero ser livre sem demora.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 18 de março de 2008

Barraca armada

Certo lindo dia de sol...
-Bom dia senhor boi! - disse afamado burro
Rasgando um sorriso jovial.
-Bom dia senhor burro! - Returquiu o boi.
Seguia ufano, num trajar banal.
Enrubesceu o burro, pôs-se todo de arrebol:
-Venha cá que eu lhe esmurro
Essa fofa carinha de boi!
Se pensa que me insulta
E me chama de burro,
Afinfo-lhe como gente adulta
Para ver como lhe dói.
-Venha daí, senhor burro
Para lhe dizer como é
E lhe contar como foi.
Desatou ou burro à chapada,
Bofetada e estalada.
Respondeu o boi à cornada
Armando-se logo um banzé.
No meio de algazarras e gritos
Acordaram os cães preguiçosos
E os porcos que são medrosos
Corriam por aí aflitos.
Palrava a galinha emproada:
-Mas que corja mal-educada!
Mugia paparrotices a vaca
Desenfreada, estava maluca.
A burra permanecia calada
Mais valia não fazer nada
Para não estragar a peruca
E seu penteado de laca.
Logo foi barraca armada
No reino da bicharada.

sábado, 15 de março de 2008

Quem te diz que és poeta, enganou-te

A mona lisa tem um bico
De alfinete no penico.
Mostra a saia de cambraia
De veludo um cão felpudo
Cabeçudo e bem peludo.
Não tem o que se lhe vaia.
Camisa de seda lisa
Com lindo boneco de loisa
Se levanta, bate a brisa
Por baixo anda e deslisa
Recordando qualquer coisa.
Sai belo enfeite de pau
P'ra se poder enfeitar.
Já apetecia manjar
Sardinha e carapau
Ou no prato, bacalhau
Ir até enfastiar.
O bico do alfinete
Faz-me lembrar um cacete
A bater no capacete.
Vê a trincha que relincha
Quando pinta, a bola pincha
Verga a mola, mata, esfola
Ainda lhe põe uma argola.
Se não sai ainda s'atola
E depois só berra e guincha.
Na estrada de lambreta
A tocar uma corneta
Me atira de esguelha
Um segredo p'ra orelha:
Quem te diz que és "poêta"
Ou é tolo ou é maneta.

Sérgio O. Marques