O burro seguia pela estrada
Lentamente. Caminhava pensativo.
-Olá - diz a cabra.
-Pareces apreensivo.
O burro pára e não diz nada.
Entretanto, passa à bolina a zaranzar
O boi, que acabara de almoçar
Um apetitoso explosivo.
Parecia um enorme balão
Desarrochado a expelir ar.
Por lá também rola o cão
No seu belo camião
A mostrar uma alegria airada.
A cabra fita o burro pasmada.
-Olá cabra - acena abatido
Não estou preocupado, estou triste,
Desanimado e combalido.
Isso sim... foi o que viste.
Vou aqui a pensar na vida:
Tanto trabalho e tanta lida,
Para tê-la num revés.
(A burra dera-lhe com os pés.)
-Estar vivo é um condeno
E respirar é meu inferno,
É meu maior sofrimento.
Talvez me mate com veneno.
Passa um pássaro nesse momento.
Levava, no bolso um caderno.
Ia à loja às compras
Devagar, a ver as montras.
Bem perto passeava distraído
O porco com seu jeito descontraído.
-Para quê nascer...
Continua a resmungar.
-Se todos temos que morrer?
-A vida é para se gozar,
Para ser levada a riso.
Temos de trabalhar para comer
Para não cair na monotonia
De atrofiar o juízo.
Returque a cabra com fervura.
-Se ao menos pudesse voar
Para acalmar esta amargura
-Queixa-se o burro - uma festa seria,
Apreciar do ar a natureza
E toda a sua beleza.
Fala a cabra: para isso é preciso asa.
Mas tu podes ser feliz,
Segundo aquilo que se diz
Sem sequer sair de casa.
Do cimo duma árvore palra a pega:
-Realmente, voar faz-nos mais livres.
Mas para sermos felizes...
Não chega!
Não me adianta voar
Sobre montes, vales e rios,
Tocar de perto o céu
Numa noite de luar
A fervilhar arrepios.
Bem pode ser mais livre do que eu
Quem vive encarcerada.
-Falas bem e com eloquência.
Responde o mocho, bicho da ciência
Do reino da bicharada.
Sérgio O. Marques
terça-feira, 16 de setembro de 2008
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