sábado, 26 de setembro de 2009

É o progresso

Casas erguidas no meio do nada.
Casas perdidas, casas esquecidas
Nos pantanais.
Desenhos de lidas, pintura de vidas
Coloridos de gente azafamada,
Eram sinais.
Agora ruínas sobejam d'outrora,
Outrora vivendas, escombros d'agora,
Nada mais.
O chão que as semeou chora
O silvado que as cobre e o pomar lá fora,
É sozinho.
Como ir, como chegar lá?
Pastos e erva são o que há,
Sem caminho.
Casas erguidas para lá do trilho,
Além dos campos de milho
E dos arrozais.
Casas esquecidas nos pantanais
Sem pai, sem filho
Sem família que as more.
Entregues aos ditames das fráguas,
Perdidas nas mágoas
Sem o telhado que as cobre
E a vida que lhes deu asas.
São ruínas, já não são casas
No mundo que corre brejeiro,
Mundo farto em excesso.
É o progresso!
E o progresso é querendeiro.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A ria de Aveiro

Ria, lágrima de musa salgada,
Encanto do mar num canto da Terra,
Dorme serena na noite estrelada
E acorda com o sol que sobe da serra.

Por entre o junco e a canízia em moiteiras,
Deitada como mantos prateados
Escuta silente as aves ligeiras
E os peixes que em si bailam animados.

São sua história belos moliceiros,
Mercantéis de sal seguindo viagem,
Velhas salinas dos tempos primeiros.

Quando navego nas ondas das águas,
P'lo canto do olhar vislumbro na margem
Linda morena afogando-lhe as mágoas.


Apesar de morar na Ribeira de Ovar bem perto do cais que hoje não é sequer uma sombra do que outrora foi, já faz muitos anos que não navegava na ria. Este último fim-de-semana tive essa oportunidade. Achei que merecia um poema.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Afinfei no mafagafo

Encontrei um mafagafo
Por aí a passear.
Afinfei-lhe c'um sarrafo,
Deixei-o a estrebuchar.

Do mafagafo asco tinha
Mesmo ali à minha frente.
Com mais uma sarrafada
Deixei-o inconsciente.

Os lábios de raiva mordi
E com força no meu punho
Mais um golpe lhe ingfligi.
Não soltou sequer um grunho.

A ira sentia aumentar
Enquanto mais o derreava
E sem pensar em parar
Por pouco não o matava.

Olhei p'ra ele de lado
Num repente arrependido
Encheu-me o peito de pena
Ao vê-lo aos meus pés caído.

Donde vinha tanta dor,
Aversão de entristecer?
Queria eu então matá-lo
Mas vou deixá-lo viver.

sábado, 12 de setembro de 2009

Angústia

Explode-se a mente
No corpo taciturno da noite.
As vozes do passado em uníssono
Irrompem o silêncio de veludo
Com gritos de guerra e dor lacinante.
-A morte se avizinha! - Clamam,
Enquanto o tempo cessa a marcha
E teima em não passar.
-O fim está próximo! - Rompem
Em trovões o quarto sozinho
Fechado num escuro inaudível.
As gotas de chuva lá fora,
Trupando de mansinho à janela
Jorrariam tragos de uma terna carícia,
Uma estranha esperança do amanhecer.
Mas o tempo quente é seco
E a chuva não se faz cair em ermos.
Revolve-se o pensamento
Procurando um recôndido recanto
Onde se agasalhar de si mesmo.
Ele encontra-se e encarcera-se em si.
-Uma palavra que me liberte de mim!
Pensa, esse pensar que também o faz
Já tão cansado de respirar.
-Um gentil gesto que me alivie!
Procura a paz que não conhece
No ténue som que nem sequer ouve
Das trindades do sino duma igreja
Numa terra distante algures
No cimo da serra que se vê do leito.
-Venha o sonho, nem que seja pesadelo!
Deseja veemente, soltando uma lágrima.
-Porque pesadelo são destas paredes
O regozijo da minha solidão.
Dilui-se em prantos, imerge em choros,
Não se escapa por um segundo só,
Um breve alívio por mais efémero que seja.
Belingerente é a contenda consigo
Com gládios de aço com que se degladia.
Sossega só quando o sono vem e o carrega.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Descalço

Descalço, piso cascalho,
Depois de areia macia
Onde me perco e atrapalho,
Onde me firo em demasia.

Por um trilho gravilhado
Calcorreio o meu caminho.
Vou descalço e magoado
Contusão em que definho.

Neste imenso chão se encontram
Conchas pungentes tão belas
Não são elas que me aleijam
Sou eu quem me aleijo nelas.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Voa

Uma borboleta duma mão aberta,
Branca palma
Voa liberta,
Bela, calma,
Serena no prado florido.
Voa com sussurros do vento
Como a alma
Cheia de alento,
Como um anjo divertido.
Um beijo meu
Voa do coração
Procura um sorriso teu
Amor, paixão
Voa alto como o céu
E a borboleta que voa.
Beijo teu
No meu peito toa,
Canção que eterneceu
Desejo meu
Que no céu trovoa.
Uma borboleta voa
Do meu peito à tua espera
Esperando encontrar o teu,
Doce quimera
Ao encontro dos meus lábios.
Voa o meu pensamento
Como pássaros
À forma bela de ti,
Beleza do firmamento
Em outros sítios, outro tempo,
Agora, aqui.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Sabor a nostalgia

Crianças a recriar lembranças.
Lembranças do passado, do meu.
O futuro é delas, que lhes trará?
A morte é certa, a sorte incerta,
A vida é bela, o amor desperta
A alma de viver em paz.
O que virá, virá! O que será, será!

O mundo gira, o vento sopra
O sol brilha, a nascente brota,
O rio corre, o mar acolhe,
A ave voa, o peixe nada
O sorriso vem nos lábios e na face,
O abraço vem da alma como a saudade.
A paz é estar certo disto.

No tempo vindouro, outras virão
Com futuros mais longínquos,
Outros futuros tão distantes
Daquilo que o meu passado foi.
O fim é para cada um de nós...
Quando chega a hora
E a vida nos deixa uma vez.