terça-feira, 28 de julho de 2009

O meu menino pequenino

O meu menino pequenino
Dorme num berço de ouro.
Como é lindo o meu menino!
Como é belo o meu tesouro.

O meu menino pequenino
Dorme num berço de espanto.
Tem bons sonhos, meu menino,
Menino do meu encanto.

O meu menino pequenino
Tem olhos de diamante.
Dorme bem, tão pequenino,
Estrela d'alva cintilante.

O meu menino pequenino
Coberto com um fino véu
Faz-me ver, enquanto dorme,
Tantas estrelas do céu.

O meu menino pequenino,
Sal que me salga o olhar,
É o mel que me adoça a boca
Enquanto dorme a balouçar.

O meu menino pequenino,
Tão pequeno, sonho meu
Traz o tom do firmamento
Rubro que o sol lhe deu.

O meu menino pequenino,
Pérola que brilha à vista
Do azul que pinta o mar
Com lilás de ametista.

Ó meu menino pequenino,
Vida minha que por mim passa
Terás o fado que te agracia,
E o destino a dar-te graça,
Ó meu menino pequenino
Fonte da minha alegria
Que livre ao vento esvoaça.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Guardei segredos do vento

Fui lá donde o vento vem
Numa carroça de pau de pinho.
Há muito que mais ninguém
Calcorreia esse caminho.

Fui lá donde canta o vento
Cantigas de alegria
Puxado por um jumento,
Minha única companhia.

Fui lá donde o vento sopra
A procela e a tempestade,
C'um barco à vela de lona
Num mar de serenidade.

Fui lá donde nasce o vento
Por um trilho íngreme e estreito
Revivendo cada momento
Com saudade d'amores no peito.

Fui lá donde o vento brota
E toca o velho moliceiro
Deixando cair a bolota
No sopé de um sobreiro.

Fui lá donde o vento espira
Lufadas d'ar fresco e puro
Procurar na vã mentira
Uma réstia dum doce auguro.

Fui lá donde o vento chama,
Encanto de sereia a enamorar
No encalço desta sede que m'imflama
De ao amor um dia o encontrar.

Fui lá donde s'ergue o vento
Pairando folhas rubras consigo
Enxugar meu triste lamento
E encontrar-me em si perdido.

Fui lá donde o vento mana
Em turbilhão duma cor difusa
Acalmar a desordem insana
Duma ordem algo confusa.

Fui lá escutar o vento,
Todos os segredos que esconde.
Algures entre pensamentos,
Guardei-os não sei bem onde.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Que homem não ama a vida?

Que homem não conheceu seu amor?
Aquele que teve medo de viver.
Que homem nunca chorou a dor,
Essa dor que se orgulhava de esconder?
Quem sofre calado
E não tem mais nada a perder.
Quem é esse homem desanimado
Desprovido desse ânimo que alenta?
É quem anda perdido, sem destino,
Sem um frágil raio de sol que o acalente
Como uma mãe abraçando o seu menino.
Que homem caminha sozinho
No meio da multidão?
Quem nunca encontrou no caminho
Um grande achado, sua paixão.
Que homem não se enternece
Com o sorriso de uma criança?
Aquele que toda a gente esquece
E lhe esqueceu a esperança.
Que homem já não ama a vida?

domingo, 12 de julho de 2009

Solitário

Um barco preso à amarra num cais distante
Dum mundo cinzento d'agua tranquila e vaga
Com cheiro a moliço e sal duma vida errante
Balouça-se na ondulação tão ténue e rara.

Um viandante passeando uma terra desconhecida
Fustigado pelo sol de dia e à noite o escuro
Cerra em si segredos d'ontem, história olvida
Talhada em conchas de basalto tão frio e duro.

A nostálgica chaminé arruinada ao fim do prado
À sombra silvestre de espinhos e vão silêncio
Escuta lamúrias do vento que esvoaça irado.

Torna a si cada pensamento que não entende.
O solitário caminha a olhar o barco e a ruína
Sem conhecer um amor, um amigo, um confidente.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

És-me muito

És a límpida água pura
Que me lava as mágoas do coração
Jorrando de um fonte mourisca
Como uma lágrima que escorre a face
Levando em alívio a tristeza.
Não te bebo, não te sorvo a seiva
Por te querer livre nesse rio prateado
Refrescando-me, de braços abertos,
Na alegria de uma carícia tua
A enxugar-me os prantos com pele macia.
És o mar na minha vida, azul imenso
A fustigar o branco areal da praia
Onde me deito ao brasido do sol,
Deleite de um banho fresco de água salgada
Num verão de tantas cores tropicais.
Perde-se-me o verde das copas das sequóias
No brilhante castanho do teu olhar;
Perde-se-me o colorido dum jardim de flores
No vermelho rosado dos teus lábios
A enternecer-me a alma num afago teu;
Perde-se-me o violeta de uma aurora boreal
No fino breu dos teus cabelos sedosos
A esvoaçar ao vento em maravilha
A escaldante frágua da tua grã beleza
Razão do meu alento, alimento que me dá vida.

És a centelha que me aquece o peito,
Luzeiro que me guia na perdição das trevas.
És a brasa que me aquenta nas noites do deserto,
O gelo refrescantes nas areias fervidas,
Oásis na minha sede demente de ser feliz.
Amo-te na tua luz, no teu brilho rutilante,
Sonho meu de olhos fechados sentindo a brisa
Do orvalho das ondas duma manhã de frescura
Com um ligeiro sorriso no semblante.
Ninfa companheira no desencanto da solidão,
Doce inspiração do fluir dos meus dizeres,
Quadro tão belo duma paisagem bela algures
Enches-me o peito do uivo intenso dum vulcão
A rugir ao vento com toda a pompa dum cometa,
Sonido estridente de trombetas e clarins.
Por ti, movo montes, bebo rios, corro mundo,
Navego solitário todos os sete mares
Ao teu encontro, ao encontro de quem és.
O azul e o branco do céu e das núvens
São o meu destino quando penso em ti.

És a chave em oiro da fechadura em prata
Desta prisão em grades de diamante
Desterro meu indigente de pedras preciosas.
Liberta-me em êxtase com o macio das tuas mãos.
Liberta-me dócil com o cheiro do teu cabelo.
Liberta-me gentil num momento no teu regaço,
Que, de tão efémero que seja, pareça eterno.
Liberta-me de mim, que que a mim prendo
E açoito, querer amar a vida com todo o peito
E cantá-la ao firmamento num poema declamado.
És viagem num país exótico há muito perdido,
Tesouro escondido que auguro encontrar,
Mil e uma riquezas de seda e cetim e ternura,
Terna virtude atávica dos tempos idos.
Mostras-me todos os quatro cantos do mundo
Num beijo apenas, num gesto singelo de paixão,
Num meneio ligeiro que me engraça e hipnotiza.
Perco-me onde não estás, preso onde não te vejo,
Canso-me, agastado, sempre que estás ausente
Despojado de tudo o que a mim m'importa.

És um abraço sincero e verdadeiro que receio dar,
Agarrado ao teu corpo sem te largar mais.
Aperto-te contra mim sem medo, descobrindo-me,
Conhecendo a felicidade que de mim brota.
A música és, canto teu que me encanta,
voz tua a toar nos meus sonhos mais belos,
Jardim florido em pétalas e miríades de cores.
O teu cabelo doirado é estrofe duma cantiga,
São teus olhos o brilho da alegria pintada
Num soberbo quadro, magnífica paisagem natural.
És voo de águia pairando nos ares ao vento,
Deslizar astuto de um pequeno peixe do mar,
Sabor exótico de uma especiaria estranha,
Tímida nascente dum fio d'água que se torna rio
Correndo as montanhas, vales e planícies
Ouvindo preces, levando choros e sorrisos,
Trazendo em si a beleza ondulante da brisa.
Sou teu, na fragrância a morango e rosas
Do teu corpo, no leve meneio que m'embebeda,
Que me leva numa longa viagem de barco à vela.

És a pedra filosofal que doira um palácio doirado,
Maravilhosa descoberta em retorta d'alquimista,
Sentido irracional na harmonia dos cinco elementos
Intenso requebre que me alenta o coração.
És o elixir da juventude, vontade minha de andar,
Doença saudável desta excessiva saúde doentia,
Regozijo insano, satisfação demente, jubilante,
Arrepio frenético serpeando-me corpo acima
Energizando-me cada célula, a carne minha,
Cada canto recôndito e sensível deste corpo meu.
És a forma do meu sorriso inato e profundo,
O sal que adoça cada lágrima que verto em júbilo
Jorrando-me a face, despecebida, ao teu pé,
Abraçado ao teu ventre como uma criança mimada.
Sinto saudade do teu riso sonoro e espontâneo,
Sinto saudade da tua mão macia no meu cabelo,
Sinto saudades de ti, na tua breve ausência
Mesmo que efémera. Sinto saudade, somente.
És o pão e água que me sacia, o sangue que me ferve.
És-me muito, és-me tudo, és-me cada vez mais.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

No fim

Conto cada dia até ao fim
Neste leito de picos e espinhos.
Cada dia que passa e me deixa assim
Deitado nesta cama de pinho.
Esperando o fim, definho.
De nada me serve continuar,
Desbravar caminho, avançar.
Aqui me quedo e esmoreço
Vencido em acreditar,
Entregue à sorte que mereço.

domingo, 5 de julho de 2009

Saúde enferma

Aqui há tempos apeteceu-me escrever umas coisas sobre o estado de alguns pormenores relacionados com a saúde, do meu ponto de vista. Não saiu nada de especial mas enfim...

O leite da China

Foi o leite em pó da China
Que fez mal à pequenina.
Ajuntaram-lhe melamina,
Família do tolueno,
Mui rica no grupo amina
Para ter mais proteína.
Ficou pior que veneno
E matou a pequenina.

A vacina na África

Nem África se safa.
Já lhe afinfou a sarrafa
Desta nossa evolução
Pois foi a vacinação
Que os presenteou com a SIDA.
Veja-se que grande azar!
Deu-lhes cabo da vida
Só para os tentar salvar.
Altruísta salvação:
Matá-los do coração.
Ficaram por lá a morrer
Entregues à má sorte.
É hábito acontecer...
Ninguém se escapa da morte.

Ir ao bom galeno

Antes prefiro veneno
Do que ir ao bom galeno
E morrer envenenado,
A pensar ficar curado.

Para os ossos, clorato,
Benzil diaspernisóide,
Um pouco de feldspato
Para aliviar a tiróide.
Ácido acrilo-butanílico
Que já fez ganir o cão
Cura o malzinho hidrofílico,
Doença da comichão.
Aos diabetes faz falta
Um copo de insulina
Mas o que a malta prefere
É alcool para beber
Pois desinfecta e anima.
Um cházinho de camomila
Faz elevar a moral
Com força de catrapila
A desbastar matagal,
Um remédio p'ra calvice,
Ainda um outro p'ra tolice
Da vergonha em se ser calvo,
Dá azo à aldrabice
Para enganar o papalvo.
Conquanto a gripe avança,
As aves não têm parança
Nem os porcos estão a salvo
Neste mundo do avesso
Onde um prurido pungente
Precisa de levar gesso
E o micróbio inocente,
Mesmo útil à humanidade
É um perigo p'ra gente.

Autoridade para a segurança económica e alimentar

A cenoura é proibida,
Pela lei da ASAE
Que assusta e intimida
Com cada multa que de lá sai.
Nasce debaixo do chão
Onde vive a centopeia
Traz micróbios da tesão
E vírus da diarreia
Pululando na radícula.
Deve-se lavar com sabão
E enrolá-las em película
P'ra vender à multidão.
Para não contaminar
O repolho, a couve e o grelo,
Em vez de plantadas na terra
Nascem em baldes de gelo.
O peixe também faz mal
Ao coração e às tensões
Vem carregado de sal.
Só os grandes arrastões
Têm todas as condições
P'ra insonso peixe vender
Pois as caixas onde os trazem
São bonitas de ser ver.

As aves do aviário
Vivem bem e com calor,
Num higiénico cenário.
Podem beber água choca
E até óleo de motor
Serve para a paparoca
Pois a ASAE não intervém
É que... quem pode... pode
E quem pode... tem.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Segui as pegadas

Segui pobre, pegadas
Dum rafeiro na areia.
Levaram-me a um lago
A espelhar lua cheia.

Na beira do lago
O trilho acabou.
O rafeiro? Quem sabe?
Nessa margem expirou.

Cavei um cova
Nessa terra escura
Para então encontrar
A sua sepultura.

Jazia já morto
Ao fim do caminho.
Na berma do lago
Morrera sozinho.

Sem eira nem beira
Ficara esquecido,
O rafeiro cansado,
Tão velho e perdido.

Tapei com cuidado
Os seus restos mortais,
O seu corpo acabado,
Já gasto demais.

Um lindo malmequer
Ao lado crescia.
Foi do moribundo
Única companhia.

Decerto ali parou
P'ra se saciar,
Bebendo da água
Límpida ao luar.

Pereceu o rafeiro
Ali abandonado.
Apesar de tão só
Acabou saciado.

Bebi essa água
Que o rafeiro bebeu
Contando cadentes
Estrelas no céu.

Em frente segui
Com passo certeiro
Trazendo no peito
O pobre rafeiro.

Calcorreio agora
Tantas estradas.
Lembro a nostalgia
Das velhas pegadas.