terça-feira, 30 de setembro de 2008

Inspiração

Inspiração, doce maresia
Agreste e aura matinal,
Aurora boreal ao fim do dia,
Desenho na parede rupestre
Com formas de animal
Provês de mestria o mestre.
Ninfa dos campos verdejantes
Apascentando o manso gado,
Deleite pastoril em fresco prado
Coberto de gotas rutilantes
Do tímido orvalho madrugado
Tinges de ciano o vermelho vivo,
Formas púrpura troncos castanhos
Em tons de cinza amarelo olvido
Nas altas copas de azuis estranhos.
Voas livre pelos céus ardentes,
Viajas errante aos confins da Terra,
Da paz interior à flor da guerra
Sincero riso, conto mordente.
Musa da harmonia sonante
Sais pelos dedos das teclas
Terno beijo dado por mesclas
De vozes num coro espampanante.
És carícia nas cordas duma harpa
Estampada de negro em partitura,
Belo quadro em cores de sã bravura,
Estridente clamor em funda escarpa
Liberto como um pássaro pelos ares.
Sereia nos agitados mares
Ruins e repletos de bravia calma
Tecida nas ondas dum fino manto
Faz gritar do coração a alma,
Vem amainar meu triste pranto
Cantando-o num alegre canto.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Parlamento português

Duas criancinhas
A brincar às casinhas
Tinham bonecas
Muito lindinhas
Nada tarecas
Tomavam chazinhos
Das cafeteiras
Comiam bolinhos
Sorriam matreiras
Outras duas vieram
Consigo trouxeram
Vestidos de trapos
Bonecos vistosos
Abonecados
De tal forma garbosos
A ser convidados
Para a brincadeira
Veio um ror delas
Numa zoeira
Com mais coisas belas
Juntaram-se aos outros
Já não eram poucos
Formaram partidos
De pobres e ricos
De nus e vestidos
De paus e de picos
Então reinava
Uma reinação
A criançada ralhava
E sem razão
Coisitas de nada
Sem importância
Amuos de infância
Da pequenada
Assim se fez
Bem português
Nesse momento
O parlamento
Os deputados
São meninos mimados
A brincar às casinhas
Com bonequinhas
Vestidas de trapos

Sérgio O. Marques

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Adivinhação

Num futuro muito distante
Cessar-se-ão estações em diante.
Regelar-se-ão as águas ao amanhecer.
Ferver-se-á a terra ao entardecer.
Aparecerá a lua enquanto o sol alumia.
Então, será dia depois de anoitecer
E se fará noite quando for dia.

domingo, 21 de setembro de 2008

Miúdo endiabrado

Enquanto marra, berra, embirra.
Depois pára, espera, espirra.
Segue a farra, mais tarde ferra,
Mostra tara e se atira.

Se o cerro então se acirra,
Enleia-se em espira, espera.
Tanto se amarra, tanto se mirra,
Nisso se mostra mestre, esmera.

Dolente enérgico grito grita
Com garra de quem faz guerra.
Zunido forte e farto, frita.

Demora! Mira coisa mera,
Vão amuo meado, o miúdo.
Seria sério, se graúdo.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Filosofias do burro com a cabra

O burro seguia pela estrada
Lentamente. Caminhava pensativo.
-Olá - diz a cabra.
-Pareces apreensivo.
O burro pára e não diz nada.
Entretanto, passa à bolina a zaranzar
O boi, que acabara de almoçar
Um apetitoso explosivo.
Parecia um enorme balão
Desarrochado a expelir ar.
Por lá também rola o cão
No seu belo camião
A mostrar uma alegria airada.
A cabra fita o burro pasmada.
-Olá cabra - acena abatido
Não estou preocupado, estou triste,
Desanimado e combalido.
Isso sim... foi o que viste.
Vou aqui a pensar na vida:
Tanto trabalho e tanta lida,
Para tê-la num revés.
(A burra dera-lhe com os pés.)
-Estar vivo é um condeno
E respirar é meu inferno,
É meu maior sofrimento.
Talvez me mate com veneno.
Passa um pássaro nesse momento.
Levava, no bolso um caderno.
Ia à loja às compras
Devagar, a ver as montras.
Bem perto passeava distraído
O porco com seu jeito descontraído.
-Para quê nascer...
Continua a resmungar.
-Se todos temos que morrer?
-A vida é para se gozar,
Para ser levada a riso.
Temos de trabalhar para comer
Para não cair na monotonia
De atrofiar o juízo.
Returque a cabra com fervura.
-Se ao menos pudesse voar
Para acalmar esta amargura
-Queixa-se o burro - uma festa seria,
Apreciar do ar a natureza
E toda a sua beleza.
Fala a cabra: para isso é preciso asa.
Mas tu podes ser feliz,
Segundo aquilo que se diz
Sem sequer sair de casa.
Do cimo duma árvore palra a pega:
-Realmente, voar faz-nos mais livres.
Mas para sermos felizes...
Não chega!
Não me adianta voar
Sobre montes, vales e rios,
Tocar de perto o céu
Numa noite de luar
A fervilhar arrepios.
Bem pode ser mais livre do que eu
Quem vive encarcerada.
-Falas bem e com eloquência.
Responde o mocho, bicho da ciência
Do reino da bicharada.

Sérgio O. Marques

Já esteve em paz

Dia após dia, na varanda
Da sala, sentado,
Um rapaz novo, não anda
Pensa, o eremita enamorado.
Lembra um amor esquecido
Pelos olhos do lânguido olhar
Assaz triste, ora ferido,
Ora frio de gelar
Enquanto crepita lá dentro
O fogo da lareira.
Quão grande será seu sofrimento?
Sempre que passo, na cadeira
Repousa e lá está meditabundo
Mergulhado num pesar profundo.
Qual será a sua razão de existir,
Aquilo que o move e o faz ser,
O seu alento de viver?
Viver? Não sei se vive
Ou se há muito morreu!
Foi o amor que o esqueceu,
Um amor outrora audaz.
Esse amor que nunca tive.
Mas... Já esteve em paz,
Eu nunca estive.

Sérgio O. Marques

Teu toque

Um teu toque inaudível
Perfumou-me a pele de cor,
Um colorido imperceptível,
Um arrepiar fervor.
Dobreio numa carta de amor
Bem junto do coração
E suspirei de contente.
Arrecadei-o para recordação,
Uma proxémica demente.
Não mais outra quis sentir,
Preservei indefinidamente
Esse fragor fulgir.
Numa redoma me fechei,
Isolei-me do resto de tudo
Para tê-lo só meu,
Teu efémero calor, gesto mudo.
Deixei de ver o céu.
Nesse encosto fui-te, mulher
Sou-te, bela e doce menina.
Afago guardado em caixa pequenina,
Essência de sofrer.

Sérgio O. Marques

Um pensamento capitalista

Morram os feios
Que nasceram assim.
Se não se fizeram, que se fizessem.
Pintem-se ou enterrem a cara!
Morram os mal cheirosos,
Badalhocos imundos.
Se não se lavam, que se lavem.
Mas morram à mesma!
Morram os tristes
Que não levantam a cabeça do chão.
Não fazem cá falta nenhuma.
Só olhar para eles causa dó.
Morram os deficientes:
Manetas e pernetas,
Dedetas e punhetas,
Surdetas e ceguetas;
Vós só sois estorvo aos sãos!
Para quê rampas e trampas,
Soídos e zunidos,
Verrinas e terrinas
Com gente empecilho?
Morram os gordos cheios de banha:
Dizê-los doentes é patranha.
Comam merda e emagreçam,
Potes para meter azeitonas lá dentro.
Morram os enfezados e raquíticos
Que mais parecem paralíticos.
Alimentem-se ou então insuflem-se.
Encham-se com a banha dos gordos!
Morram os pobretanas e mendigos,
Pedintes esfarrapados das valetas
A desfeiar as frentes do aparato.
Se abanarem a árvore das patacas
Talvez vos caia euros, lixo humano.
Mas não há cá lugar para vós.
Morram os enfermos e viciados,
Inválidos e desempregados
A entupir hospitais de inutilidade.
Sois a escória da sociedade.
Ao menos mortos, servis para sabão:
Parasitas infandos.
Morram os assassinos e criminosos,
Homicidas, parricidas sequiosos
Do sangue do povo.
Se ao menos só matassem feios,
Ainda serviam para alguma coisa.
É mais fácil matá-los
Que entendê-los.
Morram os enganados e traídos
Caídos bêbados nas bermas
Com a cara suja de barro e lágrimas.
Devia haver uma lei que os abatesse
Como cães com sarna à seringa.
Viva aos sucicidas,
Esses matam-se e poupam tempo.
Morra a baixeza da humanidade:
Acabamos todos por morrer à mesma!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Quadras de amor

De manhã, um beijo te deixo,
De tarde, te deixo um beijo.
O teu beijo num ensejo
Inflama-me o desejo.

Ilumina com pompa o ar
Um cometa cheio de luz.
É como o brilho do teu olhar
Que me enlouquece e seduz.

Arde-me este ardor tamanho
Que me inflama tão profundo
Pois o amor que te tenho
É do tamanho do mundo.

És pétalas de fina rosa
Num florescer matinal
Que deixa a rua cheirosa
Com fragrância sem igual.

O céu de estrelas se pinta
E a lua sorri contente
Sempre que te vejo tão linda
No meio de tanta gente.

És a mais bela flor
Que eu guardo em meu jardim
Regada com o teu amor
Que me faz feliz assim.

És minha doce paixão
Desde o dia em que te vi.
Trago-te no coração.
Ainda não te esqueci.

Se fosse eu pérola do mar
Azul profundo, terno leito,
Enfeitava um belo colar
Para tu trazeres ao peito.

Sérgio O. Marques