domingo, 29 de novembro de 2009

A uma dona

Dona horrível
Cobra execrável
Deplorável
Bicho maldito:
Se te vejo... vomito!

Dona concubina
Tens piolhos na crina
Cospes cicutina
Bicho maldito:
Se te vejo... vomito!

Dona meretriz
Merda do nariz
Caca de perdiz
Bicho maldito:
Se te vejo... vomito!

Dona carraça
Boca de nassa
Vens da desgraça
Bicho maldito
Se te vejo... vomito!

Dona embruxada
Peçonha danada
Cadela açulada
Bicho maldito:
Se te vejo... vomito!

Dona patega
Pacóvia labrega
Pipa de pega
Bicho maldito:
Se te vejo... vomito!

Dona seringa
Lagarta que minga
Cheiras a catinga
Bicho maldito:
Se te vejo... vomito!

Dona veneta
Verruga na teta
Fraca tineta
Bicho maldito:
Se te vejo... vomito!

Dona fungosa
De pele escabrosa
Craca cirrosa
Bicho maldito:
Se te vejo... vomito!

Irra inferno
Gelo do inverno
Macaca que ri
Que uma enxurrada te leve
P'ra longe daqui.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Bordado de mar

Fito perdido um bordado
Azul do mar mesmo à beira
E um maravilhoso rendado
Rendilhado de fina areia
No teu decote perfeito
Onde me prende o olhar.
Fito perdido o teu peito,
Reflexo de um lago ao luar.
O teu seio, doce contorno,
Silhueta bordada tão bela
Com fio de prata no mais fino ouro,
Bordado de luz duma estrela.
Ao crepúsculo, enquanto o sol se esconde
Iluminando, rubro, o teu semblante
Leva-me bordejante não sei bem onde
Algures num sonho, num outro instante,
Num prado sereno, no alto monte,
Num rio que viaja errante
De água límpida do teu ser.
Musa da minha vida, o meu viver,
Delicadeza de terna paixão
Canto distante do entardecer
Vieste meu inocente amor colher
Prendido na tua mão.
Olho perdido o azul dos teus olhos
E as rosas no teu corpo aos molhos
Na saia vermelha escarlate.
Trazes um laço de seda,
E na tua blusa aos folhos,
Um sabor a chocolate.
Ó júbilo! Ó alegria,
Soberba luz que me alumia!

sábado, 21 de novembro de 2009

Carta a uma amiga esquecida

Palavras que te não deixo
Nesta hora conturbada
São causas do meu desleixo,
Infiel ao meu desejo,
Minha ária desleixada.

As coisas que te não digo
Em tempos de amargura
Não são silêncios de amigo,
Não me inquietar contigo
São sinais da minha incúria.

Presas no lápis e escrita
À espera do papel,
As letras que o meu peito dita
Numa ânsia aflita
Desaguam a granel

De tão grande, em ser acervo
Nesta carta que te escrevo.
Meu saudoso cumprimento
No teor desta mensagem
Que, mesmo tarde vá a tempo,
Espero encontrar-te bem.

Um cálido abraço sincero
Te deixo com sã ternura
E um beijo com tanto esmero
Te leve um doce tempero
À vida que te é tão dura.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Escolha

A circunstância existe,
A incerteza subsiste,
A perplexidade estanca
A essência do que avança.
O destino vem
Como causa que se sustém
Na escolha que se faz
Mesmo na alegria ausente
De uma tristeza presente
E voltar a trás
É também andar p'rá frente.

domingo, 15 de novembro de 2009

O que é o sentimento?

Serão
O amor, a paixão,
A raiva, o ódio
Com seus encantos e desencantos
Algo mais
Que flutuações na concentração
De iões de potássio, sódio
E outros tantos
Nas membranas dos neurónios cerebrais?
Serão
Os prantos e as dores,
Os sabores e dissabores
Algo mais
Que o número de neurotransmissores
Nas sinapses dos neurónios cerebrais?
O que é o sentimento?

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Onde estavas?

Onde estavas quando trovejava,
Deixando o sol caiar
A penumbra no ar danada?
Que era de ti quando o chão fendia
Engolindo a esperança num trago,
Tragando réstias de alegria?
Onde andavas quando o mundo parou,
A música deixou de ser música
E a arte, de ser arte deixou?
Onde ias quando a treva veio
Trazendo lúgubre a escuridão,
Penitência do meu anseio?
Que fazias quando a vida se me desfez,
Dissolvida em vis sabores,
Duro golpe sem arnês?
Que era de ti quando, cabisbaixo,
Percorria as noites sem tino,
Sem vontade e sem destino?
Onde estavas quando perdeu a vontade
O meu pobre coração de bater
Com cada lágrima de saudade
Em olhos húmidos a escorrer?
Levada ao longe na tempestade
Que queres agora, na bonança,
Quando és triste lembrança?

sábado, 7 de novembro de 2009

Fui c'um cesto às camarinhas

Fui c'um cesto às camarinhas
Ao pinhal lá adiante
Num dia tão radiante,
Dia d'alegrias minhas.

O sol alto raiava,
Nessa tarde de verão.
Fui sozinho às camarinhas
Levando um cesto na mão.

Encontrei lá uma flor
Quando fui às camarinhas
Nesse dia de calor,
Dia d'alegrias minhas.

Encontrei lá uma flor
Na margem dum calmo rio.
Fui c'um cesto às camarinhas,
Vim com o cesto vazio.

Da margem, folhas caíam
Pétalas cor de cristal
Suaves no calmo rio
Lá adiante no pinhal.

Fui c'um cesto às camarinhas
Vi lá triste flor tão bela
Num dia d'injúrias dela,
Dia d'alegrias minhas.

Num dia d'alegrias minhas
Delonguei-me à beira rio.
Fui c'um cesto às camarinhas
Vim com o cesto vazio.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Industrialização

Uivam frágoas em fúria
Gritam roucos de lamúria
Motores de ferro em força e fogo.

Máquinas em movimento
De rodas dentadas e cremalheiras
Içam guindastes com passo lento
Pesados contentores de outras beiras.
Chiam fortes cabos em cadernais,
Atroam frenéticas, correntes de transmissão
Em serras, tornos mecânicos, conformadoras,
Quinadeiras, moínhos e tanto mais,
Um mar de delírios em convolução
Num extasiado concerto de danças sedutoras.
São grandes transformadores de potência
Alimento de tamanha eloquência,
A música que baila os vários furores
Do andar estrénuo de pontes e elevadores
Maquinismos de ar comprimido lá fora,
Silos que enchem e vazam toda a hora.
O cheiro a aço brame dormente
O sabor lúbrico das luzes fabris
Incessante ciciar de tons febris,
Tons caiados dum pálido demente.
As altas chaminés tossem fuligem
Negra no cerúleo das núvens que vão,
O fumo da hulha em evolação
Voa tão distante que à paisagem
Pinta-a, intensamente, a carvão.
O rio azul corre tingido
Da cor de barro em carne viva,
Levando além sempre à deriva
Refugos do industrialismo.
Por entre soutos e pinheirais,
Planaltos, prados e pantanais
Erguem-se em catenárias extensas
Linhas eléctricas de alta tensão
Acendendo à noite lâmpadas imensas,
Energizando toda esta industrialização.
A produção de bens de consumo
São seu fim e razão de ser,
O lucro crescente é doce sumo
De capital que não cessa de crescer.
A indústria estende cada tentáculo
Desde o operário na mais baixa esteira
Até bem ao cimo do pináculo
Da desavergonhada elite financeira.
O fim da tarde ecoa no som da sirene
Fazendo-se vida em horas de ponta
Revezando-se operários vezes sem conta
Em usinas de labuta perene
Ditando usos e costumes de cada dia,
Os rituais oriundos da engenharia.
Eis que surge como uma religião
O consumismo, o comércio e a produção.