quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Geometria

Comecei com o ângulo nulo
E continuei a aumentar.
Depois de passar por agudo,
Fiquei perpendicular.
Do obtuso fiz caso
Pois propus-me continuar.
Quando sobrevi o raso
Estava de pernas pr'o ar.
Assim não podia estar
Que me ofegava o respiro
Acabei por abraçar
O famoso ângulo de giro.
Mas que descontentamento.
Disse deveras irado.
Terminar sem fundamento
Onde tinha começado.
Dos ângulos não sou castiço
Nos trâmites da geometria
Fiquei farto e por isso
Tentei trigonometria.
Mandei vir os tais cossenos
E senos a acompanhar.
Fazer contas sem empenos,
Ver no que isto ia dar.
Do primeiro, o segundo
Queria determinar
Mas se bem que lá no fundo
Não sabia o que aplicar.

Procurei em toda a parte
Com afinco sem igual.
Encontrei com muita sorte
A fórmula fundamental.
Apressei-me a utilizar
A fórmula procurada
Só que tinha de operar
Com a raíz quadrada.
Para isto não dar torto,
Tentei algo diferente
Pus um em cima do outro
Acabei numa tangente.
Mas são muito complicados
Estes temas seculares,
Meti esforços orientados
Pr'os polígonos regulares.
Representei um triângulo
Com a astúcia de um galeno
Era todo acutângulo
E parecia escaleno.
Apesar de traço áptero
Que adreguei desenhar
De isósceles era equilátero
Para ser um regular.
Já a fúria me ardia
Pois não era para mim.
Larguei a geometria
Para regar o jardim.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Por ti

Movo montes, corro mundo,
Ouso ao vencedor vencer,
Birro, berro em tom facundo
Por um segundo p'ra te ver.

Seco os mares, a Terra inundo
E o que é rápido torno lento.
O pólo norte ao sul ajunto
Só para te ter um momento.

Do teu semblante o mais lindo,
Em fúlgida entoação
Canto a todos o que sinto
Com a fúria de um vulcão.

Sérgio O. Marques

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Cor

Tudo o que te envolve tem cor, tem magia.
Vê o negro céu que de azul se pinta
Celebrando a alvorada ao raiar do dia
E como enrubesce quando a tarde finda.

Olha a ufania das árvores que o verde manto
Adornam com pontilhados de várias cores:
Amarelas, vermelhas, róseas, cianas flores.
Sabem tirar da cor, tamanho encanto.

Sente os raios do sol que nas manhãs frias
Te beijam num suave afago, sente o ardor.
Sente, porque bem sentes que tudo isso é cor.

Sabe que até mesmo a noite de cor se enfeita
Para dar alegria à vida, lhe dar valor,
Sabe que a vida se cora toda de amor.

Sérgio O. Marques

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Linda menina

Linda menina se me queres
Doravante te vou dizer
Uma lista de afazeres
Que me podes tu fazer.


Faz-me tragar um verde tinto
Faz-me um afago sem deboche
E para eu meter no cinto
Faz-me tu um lindo broche.


Faz-me de frente, faz-me de trás
Faz-me direito, de outras maneiras
E se mui lindo isso te apraz,
Faz-me bem sem brincadeiras.


Faz-me sonhar, faz-me rir
Faz-me em ti me aprazer
Faz-me entrar, faz-me sair
Para eu de vida te encher.

Faz-me carícias no rosto
Faz-me muitas e sem desdéns
Para esse vazio que tens
To preencher a bom gosto.


Menina do lindo olhar,
Que de fermosa feição,
Fazes-me acreditar
Na força de uma paixão.

Sérgio O. Marques

Poema amargo

Sucedem-se os dias sem cessar.
Indago, perplexo quando isto irá parar.
O relógio revolve e marca o tempo
Fartando-me do mundo e do nostálgico sentimento
De que chego ao fim sem começar.
Do passado cuido e o que vejo?
Coisas feitas ainda por fazer,
Calcorreados caminhos ainda por percorrer
E a dor ardente do desejo
Que mata a sede de viver.
Ribomba-me o estridente sonido
Da feroz ânsia que me consome
Como a excelsa gula de um menino
Que não come, passa fome.
Ah! Lembrar-me das noites num sofrimento sentido,
Da fria dureza da solidão
(Enquanto deambulo vagante
No meio da multidão),
Da raiva mordaz e dilacerante
Que, com milhentas agulhas afiadas
Me alanceia o coração.
Pudesse eu arrebatar este tormento
Em miríades de exalações exacerbadas
E inspirar contentamento
Quando dar sumiço à má sorte
É dar calma à vida com a morte.

Sérgio O. Marques

Coisas da vida

Passam por mim coloridas,
Umas nuas, outras vestidas
Com andar inebriante.
São as meninas da moda
Que me deixam delirante.

Algumas de pálida tez,
E outras morenas talvez
Deixam no ar a fragância
Que delicia os transeuntes.
Esta invulgar inconstância

Espevita os maridos
Das senhoras respeitosas,
As quais ficam invejosas
Dos seus belos meneares.
Fecho os olhos e suspiro.

Eu queria tê-las todas
Todas elas só p'ra mim
Como flores num jardim
Ou rosas num roseiral.
Pudesse eu... dar-lhes guarida.

Mas são as coisas da vida.
São p'ra ver e não tocar
Senão vão levar a mal.
São as menincas da moda
Que me fazem delirar.

Sérgio O. Marques

O porco do focinho torto

O porco do focinho torto
Come bolotas ao almoço.
De tarde chafurda na lama.
É um porco com muita fama.


Mui feio és seu grande porco!
- Ronca a porca em altos brados.
Fala-me baixo - diz o porco
Sem rodeios nem cuidados.


As galinhas cacarejam
Alvitres com pouco assunto:
Não sois vós, cães que o ensejam
Agarrarem-se-lhe ao presunto?


A noite já se acabou,
Bem como a festa animada.
O porco do focinho torto
É o rei da bicharada.

Sérgio O. Marques

Cálida harmonia

Em cima do piano pia o pássaro:
- piu, piu!
Doces melodias leva o vento
numa carícia às pradarias.
Alguém ouviu...
Quente ficou o coração frio,
quebrou-se o desalento,
e soltou-se o pensamento
de quem é preso em liberdade.
De onde vem bela harmonia
que adoça o puro mel?
Traz mensagem de equidade
e justiça colorida
desenhada num papel.
Em cima do piano o pássaro pia,
cantando, inocente, o cantor
lindas odes de alegria
em versos maduros de amor.

Sérgio O. Marques

Trabalho

É no reino da balbúrdia
Que se dizem diligentes.
Que ideia estapafúrdia
É estandarte dessas gentes.

É folga todos os dias
Neste reino de encantar.
A labuta entre folias
Serve só p'ra disfarçar.

Gozam bem os bons galenos,
Riem-se os agricultores.
Os polícias no terreno
parecem aviadores.

"Muito me doi a barriga."
-Diz a arfar o professor.
"Que piada, eu que lho diga..."
-Returque-lhe o director.

Já lançou uma factura
Neste dia tão notório,
Pois trabalhou com fartura
A empregada de escritório.

Trauteiam para os seus pares
Uma piada inocente.
Os ministros dão os ares
De troçar do presidente.

P'ra quem não se acreditar,
Eu não digo isto à toa:
"Pode sempre constatar
Quem viaja até Lisboa".

Sérgio O. Marques

Cabelos negros

Serenos cabelos de perene fulgor
S' agitam em ti voluptuosos.
E os teus olhos garbosos
São a seiva do meu amor.

Por onde andas quando só penso em ti?
Onde estás nos dias que não te vejo?
Já a tua voz ao longe me aquece o coração
E eu penso...
Quando sentirei o calor dos teus lábios nos meus.

Sérgio O. Marques