terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Já fui

Já fui pintor e escultor,
Jardineiro e electricista.
Já fui médico e doutor
Vestido de alpinista.

Já fui um grande atleta
A correr e a saltar.
Já fui lâmpada e gaveta,
Uma vaca a barregar.

Já fui pato, astronauta,
Um peão num rodopio.
Jã fui notas numa pauta
Saídas dum assobio.

Já fui mesa, fui cadeira,
Fui um forno microondas.
Fui linho de fiadeira
Desfiado pelas pontas.

Já fui corda de amarrar
Navios ao cais do porto.
Fui um carro p'ra arranjar,
Um burro direito e torto.

Fui travesti elegante
Bem vestido, já fui nassa.
Fui tromba de elefante
Com pescoço de girafa.

Fui arco de violino
Rangendo uma corda velha.
Fui idoso, fui menino,
Fui caco velho de telha.

Já fui um anjo com asas,
Um santo feito de pau.
Já fui construtor de casas
Com rabos de carapau.

Fui doente, operário
C'um penico na cabeça
Fui mula, fui dromedário
Fui lesma de baba espessa.

Fui bebé, levei babetes,
Babando-me, divertido,
Também levei cotonetes
P'ró cerume do ouvido.

Já fui ralo e torneira,
Já fui pia, já fui cano.
Já fui rede, fui peneira
E uma boneca de pano.

Fui juíz, advogado,
Engenheiro e maquinista.
Fui jovem embriagado,
Fui uma tela de artista.

Já levei uma gabardina
Com uma cor bem vistosa.
Levei calças rotas de ardina,
Andei com o cú à mostra.

Já fui pedreiro, fui trolha,
Fui parede de tijolo.
Fui garrafa, também rolha,
Arrulhando como um tolo.

Cortei umas rodas às cores
Com cada, uma folha fiz
P'ra disfarçar-me de flores,
Um jardim lindo e feliz.

Já fui de cavalo aos trotes,
Cavalgando sem receio
Ladeado por dois potes
Uma vazio e outro cheio.

Uma vez levei pijama
E uns chinelos de interior.
Ia deitado na cama
Coberto c'um cobertor.

Já fui guarda, fui polícia,
Fui drogado e vagabundo.
Já fiz parte da milícia
Que dava cabo do mundo.

Fui tarelo, tagarela,
Padeiro e cozinheiro.
Fui vestido de panela,
De talheres e de faqueiro.

Fui bombeiro de machado
Com umas botas de borracha.
Fui leite achocolatado,
Fui biscoito, fui bolacha.

Já fui súbdito, já fui rei
Já fui nave espacial
Já fui tanto, já nem sei,
Nos dias de carnaval.

1 comentário:

DarkViolet disse...

Grande conclusao. estava a ler e pensava que ias acabar do género: sou qq coisa. supreendi-me no fim. este poema é daqueles que gosto de ler em ti