Sabes? Hoje saí
Pela porta aberta fechada para mim.
É de pedra, a calçada quente
Onde brinca a criançada inocente
E vermelho, um cravo ao sol no jardim.
Andorinhas, ao vento voam pelo céu azul,
Vindas em bandos do sul
Agraciando a primavera,
A fragrância a alecrim e rosmaninho.
Com elegância de quem se esmera,
Sem delonga, sem espera,
Fazem, nos beirais, o ninho
Sob a sombra das telhas do telhado.
Os seus pios são um concerto afinado.
Ah como é belo o rubro intenso
Das papoulas ladeando o caminho,
O fresco pasto do prado imenso
Abeirando-se nas límpidas águas da ribeira
Que sacia o gado que s'apascenta à beira
E também a velha fonte.
Imponentes, além do monte
Vi os choupos de um choupal
À luz do dilúculo quase bruxuleante.
Dei um outro passo em frente
Sentindo a brisa morena na cara,
Ouvindo seus segredos, confidente,
Trazidos à luz do dia tão branca e clara.
Contava-me traquinices, como uma catraia
Que bailava por entre anciãos pinheiros
Balouçando-os num bailado ligeiro,
Arremessando fina areia da praia.
Disse olá ao vento e senti-me bem
Enquanto me afastava da porta atrás.
Então senti-me em paz.
Balouçava com a brisa,
Ameaçando fechar
Soltando chios as dobradiças
Mas as andorinhas
Voando como quem ao vento desliza,
Com plumagem catita, castiça
Fizeram-me delirar.
Esquecia-me do medo do agora,
De estar lá fora
Sem fugir para dentro.
Sorvi a calma gotejante do momento
Que me veio saciar.
As estrelas por trás do sol escondidas,
Via-as! Cada uma a cintilar
Como pérolas ao sol perdidas.
Mais um passo dei. Tranpus o portão
De ferro ao fundo do jardim,
Sentindo o calor da calçada quente
Onde brincava a criançada inocente.
Num canto dormia um cão
Num canteiro de jasmim.
Quase livre segui em frente,
Acompanhando os sorrisos da catraiada.
Finalmente cheguei à estrada.
Pela rua passava azafamado
Um mar de gente
Como formigas dum formigueiro
Num carreiro, em viva lida.
Vi um ínfimo grão da vida
E a sua glória.
Sabes? Foi a minha maior vitória.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
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