quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Silêncio

O silêncio é fino dilúculo como fio de pedra a espalhar no chão quase inaudível uma mescla de sabores entranhados na essência do amanhecer. A forma cristalina da névoa purpúrea envolta no manifesto rubro do ocaso a beijar a noite sob o olhar enregelado de um corvo apeado nas docas do cais ao sol poente forma-se no vazio de tudo enchendo o negro de nada duma cor translúcida. O som disso é a voz do silêncio, o clamor da quitude tangida na mão pela tépida brisa estanque esquecida na paisagem. As copas das árvores distantes vislumbram o infinito, imitando o verde no azul marinho do céu suspensas pelo estreito castanho balançado da raíz como um pêndulo oscilando-se ao vento. Trás música inaudível, uma harmonia de palavras por dizer, significados por encontrar num emaranhado de prantos e lamúrias roucas. É um quadro de aguarela, frescos num mural de tons exóticos à fosca luz caídos como cinza atirada ao ar de várias cores.
Ouço o silêncio, escuto-lhe a voz sábia. A vida surge-se em partitura onde cada nota é uma composição por si só ao ritmo dum beijo de lábios rosados, um sorriso no meio de tantos outros, construindo uma obra maior. Escuto-o, porque dele vem a moral. Ouço-o porque aí está a harmonia do entendimento, a água que move o moínho e, com a farinha que rega, faz o pão. A mesma água que lava as mãos e se senta à mesa à refeição com o brilho no olhar cuja extrema beleza está entregue ao esquecimento. Eis o silêncio serpeando-se por entre cada nota duma excelsa composição à espera de ser compreendido para que seja compreendida a obra em todo o seu explendor. Á noite, faz-nos uma última visita mesmo antes de partirmos para a terra dos sonhos.

1 comentário:

Fatima disse...

Os teus textos são sempre de uma sábia poeticidade que muito admiro, mas este está especialmente...sublime!

Bjo
Fatima