quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Guerras

Troam pelos ares, arrebatadas,
As guerras que não cessam jamais.
O medo, a cólera, vidas devastadas
Esvaem-se em sangue, em vozes guturais.

Já vai na quinta, multiplica-se infanda.
A quarta e a terceira, vénia ao império,
A segunda, a primeira, a raça em demanda
E terra a vestir a Europa de fogo e ferro.

Monstros isquiadelfos ponderam o certo
No cimo do monte onde cada trovão canta
E se ouvem longínquos gemidos de perto.

Agora almeja-se, de novo, uma nova ordem,
A derradeira igualdade que se alevanta
A justiça ao mutante, à máquina, ao homem.

Sérgio O. Marques

domingo, 23 de novembro de 2008

Ingrata

ó Madalena, Madalena
Que me agrides, que me feres,
Que de mim queres,
O que queres tu de mim?
Madalena pequena,
Madalena morena,
Que te faz assim?
Madalena do corpo esguio
Sorriso bravio,
Espinho delgado,
Uma rosa florida
No meio do prado
Ao vento esquecida,
Qual é teu sentido?
Onde está o teu norte,
Virado ao sul, perdido
Erguido a mim teu forte
Grito de guerra gutural?
Que te fiz? Que é de mim teu mal?
Madalena, não vês?
Não só a mim alanceias
Com faca de dois gumes,
Lanças, verrumes
Denuda, sem arnês,
Sem torre, nem ameias.
Assim te matas, assim morres
Desse aço te consomes,
Esse ferro que nos mata,
Forjado em terras meieiras.
Ó Madalena és ingrata!

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Anti-namorada

Ela olha-me, enganadora,
Olha, sedutora,
Olhar terno.
Traz no olhar o inferno.
Sei que me não quer
Mas não sei se se lembrar,
Se me mais não querer ver.
Não a quero para amar
Nem tampouco namorar.
Queria-lhe somente amizade.
Pensa que a amo,
Nesse amor que despreza,
Inexistente, na verdade!
E lá vamos num carrocel,
Revolver insano,
Rodopiar natureza,
Tomando sentido de fel.
Agora cansado, desistir,
Abandonar este amor amigo,
Abraçar outro devir
É levar-me comigo
Sem deixar que me siga,
Ser-me sorte, ela, malfadada,
Muito para lá de inimiga
É minha anti-namorada.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A um passo

Com uma seca lágrima apenas
Encho o abismo e é escuro,
Escuro como o quadro da parede,
O quadro do baloiço e da senhora
Que nele se baloiça, encantadora.
Só lhe temo o que está por trás,
Escondido na escuridão à espereita.
Sinto frio, um temor mordaz
Desta única noite que esconde o dia,
Aquele dia que vem e se deita,
Se levanta e sai, concha vazia,
A forjar memórias de esquecer.
De novo cai esta noite,
Noite que nunca deixou de ser.

Olho em redor e vejo um muro!
Em cima, vislumbro o céu:
Melancólico, monótono , soturno
Quente e sincero sob cerúleo véu.
De onde a onde passam serenas,
Lentamente, núvens brancas
Só isso muda, e isso apenas.
Assim aí poderei viver liberto.
E salto! Salto para o céu aberto
Com força que o pranto esqueceu.
Quanto mais salto, mais o muro é alto!

Fervilha-me o pânico de terror
Como bolhas de ar num borbulhar
Frenético em água a ferver,
Estocástico caos (de ensandecer).
A loucura falha, em não tardar.
Chorar por fora, para quê?
Sofro por dentro, porquê?
A vida não me permitiu viver
Nem eu a permiti fazê-lo.
Sei que me espera algo bom
Mas virá quando eu não quiser,
Quando mais nada importar.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Boa gente

É tudo mui boa gente,
É verdade, não mentira.
Falam bem e ninguém mente.

O pior vem quando vira
E toda a gente se atira
À verdade da mentira.
Depois já ninguém entende
Quem diz verdade ou quem mente
E toda a gente decente
Deixou de ser boa gente.

Gente séria é de bem
Mas por vezes faz-se gente,
Gente essa, que muito mente,
Bem melhor do que ninguém.
Deixa a gente a andar à toa.
Então gente que era boa
Deixou de ser boa gente.

Sérgio O. Marques

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Tu és capaz

Se pensas que a vida não te sorri
Que já s'esqueceu de ti
E já não queres mais lutar;
Se pensas que o melhor é desistir,
É esqueceres-te de sorrir
Só te estás a enganar.
É bem grande a'legria de viver,
Ter vontade de correr
Que podes ser um vencedor
E vencer.

Tens de deixar essas mágoas para trás
Tens de acreditar em ti, tu és capaz
Tu tens dentro de ti, essa ambição
Que pode fazer de ti, um campeão.

Se'é muita a vontade de desaparecer
De fugir, de t'esconder
E não parar de chorar;
Se pensas que no mundo estás sozinho,
Te perdeste no caminho
Só te tens de encontrar.
Se tiveres uma paixão de lutador,
Essa força, esse vigor
Podes bem continuar
E ganhar.

Se tiveres uma paixão de lutador,
Essa força, esse vigor
Podes bem continuar
É bem grande a'legria de viver,
Ter vontade de correr
Que podes ser um vencedor
E vencer.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Avaliação

Avaliar é o tal trabalho
Que serve para dar um valor
Àquilo que decerto valho.
Não me consigo avaliar - penso
- Quanta aflição! Quanta dor!
Já não devo ter valor
Quanta tristeza, sofrimento intenso!
Será ironia? Se calhar!
Não me calho em avaliar.
Façamos, então um teste,
Um teste de avaliação.
Pode ser que venha a peste
Que mate do coração.
Serei bom? Serei mau?
Serei rei dos incapazes
Ou o melhor dos perspicazes
A bater na nuca, um pau?
Avaliemos! Façamos perfil!
Poder-se-ia avaliar cada qual,
Numa escala de zero a mil,
Para descobrir o primeiro
Do povo de Portugal.
Mas isso é fácil: basta o cheiro
Ou então muito dinheiro.
Um dá quinhentos, outro seiscentos
Um, um euro; outro um metro vale.
Há quem não passe de um pneu
Que é escuro como breu
Estampado num postal
Do ano de setecentos.
Mas quem é bom deve ser d'ouro!
Só não é nenhum tesouro
Nem tão brilhante sequer.
É mesmo para esquecer.
Antes cunhemos que, cunhados,
Somos melhor avaliados
Como as moedas dos tempos idos
Fruto d'arte dos antigos.
Avaliemos! Avaliemos!
Ainda nos esquecemos!
Cunhemos antes. Pois cunhar
É bem melhor que avaliar.
Venham grandes avaliadores,
Os mais finos cunhadores
Arrolados num sururu
P'ra nos dar um valor crível.
Provavelmente é preferível
Estar debaixo dos cobertores
Com um termómetro no cú
E um saco de gelo na testa
A bater palmas e a fazer festa.

Sérgio O. Marques

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Vampiro

Escuta cada gemido cotundente
Provindo d'alguma catacumba escondida.
Sente o odor de cada urna,
Escaninho d'algo demente.
E essa dor é seu modo de vida.

-Danço lúgrube a valsa nocturna
Com lânguidos passos sob a luz da lua.
Sinto o cheiro do pavor e do medo
De quem me teme em me desconhecer.
Impregna-se este ódio frio em meu ser
Que me gela mórbido desde cedo.
Cresce-me, então, este sórdido desejo
Em lhes sorver o calor que os aquece,
Sacio-me do sangue com delicado beijo
Que me afaga e se me não esquece.
Mas é efémero esse raio de luz
E de novo s'abate a perdição,
Essa fome e essa sede que me seduz.
Deambulo só e há muito na escuridão.
Agora só me fere o rutilar do dia
E nada mais pode haver que m'alumie.

Vejo-o desta janela d'onde durmo
A bailar solitário hediondo
Deslizando suave sobre um ar soturno.
O luar resplandece e me escondo
Do seu olhar terrífico de petrificar.
Ele sabe que o observo e m'amedronta
Na esperança que adormeça para me matar.
Devo suprimi-lo antes que me encontre.
Apenas penso no que me fará, se me vir
No que me terá reservado se m'agarrar:
Beber-me o corpo, a carne haurir.
Espero impaciente o nascer da manhã
Portadora do majestoso sol matinal,
Portentoso desterro dos filhos do mal.
Amanhã estarei preparado. Amanhã!

Quem calcorreia os caminhos de dia
Olvida o silêncio da noite e a companhia
Da lua. Amar é a forma do ser mais pura,
Seja ao sol do dia, como à noite errante.
Sim! Porque um vampiro almeja a cura
Nem que seja por um breve instante.

Sérgio O. Marques

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Senhores da guerra

São tantos homens de gelo
Juízes e carrascos, dum triste degredo
Mensageiros e portadores do vil flagelo
São pedras tão vazias no reino do medo.
Quem por ali fica caído
Um dia fora filho de alguém.
Pois quem ali jaz esquecido
Já tivera uma mãe.

Para um mundo mais belo e melhor
Cheio de paz e alegria
Falta amar, falta amor,
Falta o sol a brilhar em cada dia.
Podemos todos partilhar
Temos tanto para dar
E um riso em cada criança
Traz-nos de novo a esperança.

Há tanto ódio, tanta guerra,
Há tanta morte, tanta fome e tanta miséria
São tão profundas lágrimas, que banham a Terra
Daqueles de quem o sangue alimenta essa fera.
Mas mesmo assim, em cada olhar
Há um raiar da manhã,
Há um sincero acreditar num sorridente amanhã.

É tanta a fome de riqueza,
Essa ganância insana que fere a natureza
São só inúteis leis para fomentar a grandeza
No fim nada mais resta para além da pobreza.
E aí, quem mais nada tem,
Será um homem com sorte
Aquele que tenha mais alguém
Que o afague até à morte.

Sérgio O. Marques