sábado, 25 de dezembro de 2010

O Rei nasceu

Pegureiros olhavam no céu
Uma luz no frio negro.
O Rei nasceu
Sem castelos, sem muralhas,
Para alcançar grandes vitórias
Sem o sangue das batalhas.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Uma história d'antes

A noite ia alta e crepitava,
Na lareira acesa,
Uma história que se contava
Dum livro aberto sobre a mesa.
O luar, à janela, espreitava
Por entre núvens e um galho que lhe batia,
De leve, na sobranceira elevada.
Aquilo que o avô lhe lia,
Os velhos tempos lembrava,
Belos contos de magia
Nos serões de nostalgia,
Ao neto que o escutava.
Dizia-lhe, com voz de sabedoria:
Nos muitos séculos que passaram,
Muitas guerras se travaram
Moldando o mundo de agora.
Hoje a história não é mágica,
Encanto que te adormece,
São histórias da História,
Da História dura e trágica
Que, como a noite fria lá fora,
Cada vez, mais se enegrece.
O neto fitava-o estarrecido,
Pois, para o Homem, a glória
É inglória dum homem embrutecido.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Professor presunçoso

O homem da sala
Crê-se um campeão
Por olhar um livro
P'ra dar a lição.

No jeito jactante,
Ar de mofa traz.
Trata cada aluno
Como um incapaz.

Mas debaixo desse
Sorriso de troça.
Encontra-se um asno
A puxar 'ma carroça.

O homem da sala
Que dá a lição,
Por olhar um livro
Crê-se um campeão.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Levado contigo

Tempo que foges e tudo mudas,
Da pele de cordeiro à pele de judas,
Já não tenho o passo que te acompanha.
Onde termina teu desaguar,
O teu fluir de imensidão tamanha?
A tua viagem é a minha viagem,
O teu andar é o meu andar
Mas não te posso acompanhar.
Já não sou roda na engrenagem
Nesta máquina de perpétuo movimento
De astros e tantas coisas mais.
Tempo, de onde vens, para onde vais?
Tudo, em ti evolui e eu me quedo,
Imutável, fixo, inalterável, permanente
Sem alguma intriga, algum enredo
Onde me prenda, me esconda, me enrede,
Me torne história. Sigo silente, indiferente,
Só existes para além de mim
Da minha memória que já nem de ti sabe,
Deste sentir que já nem em ti cabe.
Navego um mar de calma com ilhas de frenesim,
Intemporais como um todo teu
Vazio de tudo o quanto é meu
Sentindo apenas não ver o fim.
Levas-me pela mão, qual amigo
E sou, sem querer, levado contigo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Habituado ao escuro

Não me exijas zelo,
Que cuide do que me cuida,
Sequer alegria.
Caído no fundo do poço,
No chão duro
Rocha fria,
o meu único alento,
Neste momento,
Foi ter-me habituado ao escuro.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Filhos da puta

Estou cansado desta lida,
Desta vida de labuta,
De manter filhos da puta.

Pago o imposto do trabalho,
Do transporte e rendimento;
Pago-o, se compro um jumento
Pago-o, se esfrego o caralho
Com a ponta de um ramalho
P'ra encher, com tanta luta,
O cú aos filhos da puta.

Pago, aos porcos, conezias,
Prebendas e sinecuras,
Aos paneleiros, loucuras,
Suas taras e manias.
Na mona, todos os dias,
Uma ideia me matuta:
Foder os filhos da puta.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Enamorado

Onde o céu se encosta ao mar
E o dia à tardinha enrubesce,
O sol por aí se deita cansado
Quando a noite vem e escurece.
Aí me encontras enamorado,
Aqui sentado,
Contigo, em devaneio, a sonhar.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Sangue e verdade

Porque será fonte de vida, o sangue,
Quando sadio
E tão repugnante, quando langue,
Escorre frio?
Porque a verdade, na realidade,
Tem traços de dualidade.

domingo, 7 de novembro de 2010

Sábio ignoto

Numa orla, à beira mar,
Num país assaz distante,
Sentado, estava a pensar
Absorto, um sábio errante.
Via o mundo com minúcia,
Destrinçava a natureza
Lançava luz com argúcia
Sobre a sua escureza.
Escreveu doutas palavras
Em tão fina e branca areia.
Cada sulco eram lavras,
Monumentos da ideia.
Alou e segiu avante,
P'ra trás ficou o seu tento
Nas palavras, nesse instante,
Esquecidas pelo tempo.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Amor

O amor acorda esta calma que desperta
Tanta sede de vida em mim.
É o sublime sentimento que me liberta
Deixando tudo de ser assim,
Tudo o que outrora era.
Faz-me sentir limpo, dealbado, puro,
Faz-me sentir tão seguro
Num assombro de esplendor
De tão deslumbrante, o amor.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Quadras de amor II

Vi lauta canção d'orvalho
Na fragrância da manhã.
Eram maçãs do teu rosto,
O arrebol duma romã.

O sol que se punha ao largo,
Corando, de rubro, o dia
Tinha a cor do teu sorriso,
Azul da tua alegria.

Uma bela borboleta
De flor em flor a voar,
Nas asas levava os olhos
Teus tão belos ao luar.

Bebi os favos de mel
E a fonte pura de água.
Só saudades do teu beijo
São sede da minha mágoa.

Cadentes, caíam estrelas
A brilhar rastos doirados.
Era a luz dos teus cabelos
Ao vento, esvoaçados.

As árvores bailam ligeiras
Num bailado meigo e mélico
Ao som do teu terno canto,
Sabor teu, doce e angélico.

Passam cerúleas as núvens
Brancas no céu de algodão,
Como os traços do teu jeito,
São formosa perfeição.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Ó monstros que me detestais

Ó monstros que me detestais!
O vosso ódio, tudo o que tenho
Sem direito a mais
É amor do vosso tamanho.
Ó seres escuros,
Filhos da treva e da sombra,
Irmãos do medo,
Tão crueis e duros
Sois frio da manhã cedo
A seita que me amedronta
E única companhia.
Vós, criaturas insanas
Do vale do abismo,
E das horas profanas
Temeis a luz,
Melancolia que bebo e cismo
E me seduz.
Vós, doutos do mal, a demência
Se vos engrandece, em natureza,
Porque a frágil complacência
É do tamanho da vossa fraqueza.

sábado, 16 de outubro de 2010

O trovador finou

O cão ganiu,
O gato miou,
O boi mugiu,
O pato grasnou,
O porco grunhiu,
O burro zorrou
O cordeiro baliu
O lobo uivou.
Quando a noite caiu
O sino tocou
E o menino se entristeceu:
O trovador finou!
O trovador morreu!

Ganiu o cão,
Miou o gato,
Mugiu o boi,
Grasnou o pato,
Grunhiu o porco,
Zorrou o burro,
Baliu o cordeiro,
Uivou o lobo.
Quando caiu a noite,
Tocou o sino
E se entristeceu o menino:
Finou o trovador!
Morreu o trovador!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Conspiração (O grito da loucura)

Nas mais cavas catacumbas dos confins da Terra,
Muito além do que vista alcança,
Congeminam, senhores, silente guerra,
Tenebrosos inimigos da esperança.
O povo calado, consente, embrutecido
Por hordas de macacos sem açame,
As injúrias de uma sorte imane,
Escravidão de um passado já esquecido.
Roubam a memória, pilham a história
Às gentes já quase sem identidade,
Apregoando as maravilhas da liberdade;
Seu intento: somente poder e glória.
Vestem a fria máscara das fracas leis
Com pele de cobra e coração exangue
Os salvadores, majestosos reis
De mãos sujas a escorrer sangue.
Misturam vis, os ingredientes da loucura,
Num caldeirão sem fundo fervem o mal.
Com um sorriso dissimulado, sem levantar fervura,
Ainda mais deixam cego quem, de si, vê mal.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Homem mau

Encosta a cabeça à janela
e pergunta:
- Mãe, que senhor ali vai?
- Um homem mau! - Responde ela.
O menino não imaginava o sacrifício
Que a mãe fazia para o ver feliz.
Fita o mendigo, entristecido
Pois encontrara-se nos seus olhos.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Folhas do meu livro

Sopra as folhas, um turbilhão tamanho,
Com memórias do que me não deslumbra.
As palavras, despregadas, em rebanho
Cintilam como estrelas na penumbra.

Fito o estranho livro de preta capa
E todas as histórias do que fui
Nas palavras escritas. Na lombada de prata
Finas letras lavram fogo que me alui.

Frases vêm a galope dum furacão,
As ideias incendeiam como o mar afoga
E as folhas queimadas já não são

Sequer lembranças d'ontem que o meu peito roga.
Restam longas sandices dum breve amor,
Versos escritos na alma a alegria e dor.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Dança gorda

Abana o unto, rola o presunto
A pandorca alucinada.
Mexe a banha, sem assunto
Numa lufa endiabrada.

Rola o corpo no sobrado
Com trejeito duma dança.
Treme a banha em todo o lado
Da cabeça até à pança.

A prega glútea meneia
Com rigor e muito estudo.
Estarrece a sala cheia,
Deixa tudo quedo e mudo.

Bate os pés, sacode as ancas,
Oscila os braços com garra.
As pernas, em nada mancas,
Quando vão, ninguém a agarra.

Célere vai o batuque
E o bailado a acompanhar.
Cobre-se o solo com o estuque
Das paredes a abanar.

Rangem tábuas do soalho
Com giros de arrepiar.
O pó do tecto é poalho
A teimar em não passar.

Dão saltos altos, as mesas,
A saltar à cabriola
Como cabras montanhesas
Ou crianças da escola.

Em cima, os copos poisados,
Tilitam ao chegar ao chão,
Ficam feitos em bocados,
Pedaços de confusão.

O barista já aflito,
Segura-se à prateleira
Para evitar o delito
De partir a garrafeira.

O candelabro balança
Com as luzes a piscar
Pois a gorda não se cansa
E não pára de dançar.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Arre cão

Arre cão, tu que não calas
A falácia que consome
Uivas, berras, lates, ladras
Ó esgalgado de fome.

Arre cão que me apoquentas,
Com ganidos infernais.
Atirar-te um pau às ventas
É o quanto eu quero mais.

Arre cão, bicho doente,
Gritas a tua doença.
Deixas-me a cabeça quente
A ditar-te a sentença.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Aqui sito

Aqui sito, onde meu sonho és tu,
Mais bela que as planícies douradas
Ao pôr do sol, diamante no baú
Das mais lindas flores requebradas.
Nesta nascente de amor antiga
Bebo amor, saudades daquele beijo,
Estrela ao colo de um auriga
Pelos céus do meu desejo.
Aqui sito, sob a copa desta árvore
Auguro nestes momentos escassos
À sombra do fim da tarde
Estar nos teus e tu nos meus braços.

sábado, 11 de setembro de 2010

Abandonado


Sóis e luas vêm e vão
Arando a azáfama da noite e dia.
Cansado, ao abandono, em demasia
São aspirações de desejos que não são.
Cresta-lhe a tez morena de um escuro triste
As intempéries com que o tempo, inocente,
Lhe fustiga, de espada em riste,
As entranhas, ao relento, qual demente.
A idade, doença de mão febril,
Irmã dos anos, séculos, milénios, eras
Acarta o mundo sem intento ou ardil.
Só lhe escapam vãs quimeras.
Prostrado na lama (estendida aos pés)
Sobra como ruína de outrora
A branca neve da alvice e, talvez,
Memórias que a hora não levou embora.
Não é injusto o sopro do último alento
Ou se aí se esvai sublime a dignidade.
Somente, insípido, o frio manto do lamento
Lhe abraça, de solidão, sem piedade.
A morte aguarda à porta à espera,
Paciente, a derradeira partida.
Augura alívios, pois só, desespera
As agonias enterrando aquela vida,
Dormida no berço lá fora.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O retrato



Penteou para trás o cabelo,
Com pompa de bel galã.
Da ária se lhe aprumava o zelo,
Do joelho ao cotovelo
Na alegria da manhã.
Nas bochechas, o sorriso,
Rasgava-se na tez trigueira
Remexendo, sem juízo,
O sapato preto e liso
Engraxado à maneira.
Bem engomado ia o fato.
Cheiroso e resplandecente,
Trazia um doce palato.
Quando se abeirava da gente
Pavoneava contente:
- Vou tirar o retrato.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Confidências à beira-mar

Ia à beira-mar
Na orla do dia
À alma lavar
Prantos que não queria.

Chorava as lamúrias
Em pingos de mel
Da vida, as injúrias
Marchando a granel.

Morrera-lhe um filho,
Outro era doente,
Sem luz e sem brilho
Rosto descontente

Levava a lembrança
De tempos tão nobres,
Perdia a esperança
Nas terras salobres.

As ondas que vinham
No som das areias
Alívio traziam
Ao mar das ideias.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Preso


Nunca soltou a amarra
Daquele cais onde se agarra
E se afunda lentamente
Nas areias movediças do fundo do rio.
Apenas fluem aspirações na corrente,
Um intenso desejo vaivém de liberdade,
De navegar ao largo como um navio
Sem escolta, sem calabre.

Somente o medo do avante,
Do que há mais adiante
Do longínquo horizonte, o desconhecido,
É-lhe cárcere do pensamento,
Preso, naquele porto perdido
Duma pátria de outro tempo,
Já tão velha como o velho arganéu
Onde, atracado e combalido,
Num estertor, aspira o céu.
Tem, por descanso, única tença.

Acreditou e a sua crença foi sentença.
Não caminhar, foi o seu caminho
Para morrer sozinho.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Trocaram sorrisos

Trocaram sorrisos de seda tímida
Por entre folhas bruxuleantes de copas ralas,
Pousada uma joaninha numa delas.
Rasgavam-se nas faces, de parte a parte,
Coradas de rubro, manchas de pétalas rosadas
De amigos, já há muito, desconhecidos.
Cálidas lembranças quase apaixonadas
Adoçaram o ar etéreo de algodão doce.
O passado revisitou-os naquele recanto
Dum efémero momento de nostalgia
Enquanto o vento débil, soprando em brisa,
Regia uma sinfonia de pinheirais
Ao longe daquele singelo jardim citadino.
Era meia-luz nos candeeiros de horas de ponta.
Seguiram as vidas sem cumprimentos
Levando, no peito, àquelas horas vagas,
Uma breve sensação de leveza.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Olhar


O olhar transpira emoções
Da alma e da forma do ser.
Traz, das cores, as sensações
E o júbilo da essência dum enternecer.

Olhou, de soslaio, desconfiado.
Um estranho, d'atalaia, espreita
Fomentando a andadura ao medo.
Viu-o, no seu olhar disfarçado,
O seu sorriso azedo.
Não olhava amor mas maleita.

Então tempo, não era mais
E fugir foi palavra de ordem:
Fugiu (mas não antes sem deixar
Atrás um olhar a alguém)
A voar,
Por entre os taipais.


sábado, 14 de agosto de 2010

O furto

Num domingo de calor
Diz com voz esganiçada,
A esposa do doutor:
Que desgraça! Fui roubada!

Veio p'ra rua sem medo
Atumultuando o dia.
Transformou tanto sossego
Numa intensa algaravia.

Uns, imitavam cochichos
Com sussurros de opinião.
Outros, com seus mexericos
Eram os mestres da razão.

Quem roubou, ninguém sabia,
Mas, à laia de adivinha,
Toda a gente bem o dizia:
-Foi o filho da vizinha!

Morava ali mesmo ao lado
Um rapaz de mau vestir,
Sem emprego, sem cuidado,
Sem um chão onde cair.

Com um chapéu desbotado,
As calças rotas à frente
E o casaco tão rasgado
Lembrava um indigente.

A vizinhança alvitrava
Hipóteses sem fundamento
E o moço condenava
Sem cuidar de julgamento.

Somente ele era capaz
De um crime com malícia.
Para prender o rapaz
Mandaram vir a polícia.

Era sabido e experiente
O detective de serviço.
Pôs ordem naquela gente,
Acabou com o reboliço.

Fez perguntas, inquiriu,
Toda a gente interrogou.
Ninguém sabe, ninguém viu,
Quem o crime perpetrou.

Formulou com diligência,
Juntou factos, diligente.
Concluiu em evidência:
- O rapaz está inocente!

Encontrou na sua safra,
Uma prova concludente.
Descobriu o autor da farsa,
Um homem fino e decente.

Andava sempre de fato
E gravata a adornar.
Tinha um odor perfumado
E um sorriso de encantar.

Dizia ser professor,
O homem galante e cortês.
Afinal o tal senhor
Era ladrão de má rês.

O biltre que era ladrão
Enganou tantos espertos,
Deixou-os sem reacção,
Ficaram boquiabertos.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Desalento

Não há modo ou matéria em meu ser,
Um jeito efémero sequer,
Sequer um sentimento frágil
A ataviar os dias de lamento.
Com um gesto ágil
Aceno ao amor que vai contente,
Zarpando indiferente
À revelia do pensamento.
Não me acena de volta,
Não entende o meu acto de coragem.
Voa como um cavalo selvagem
A correr à solta
Pelos quelhos fuscos do sonho.
Viverá em algum lugar medonho
Falto de qualquer encanto?
Será o meu caminho escuro,
Tão escabroso e duro
Ou não terei direito a tanto?
Somente brilha como réstia da lua
Uma ténue esperança já seca e crua.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Esta cona de país

Esta cona de país
Traz-me um caralho de azar
Não sei bem que mal eu fiz
Para vir aqui parar.

Esta merda de nação,
Porca feia a tresandar
É uma piça sem tesão,
Uma puta à beira mar.

Uma cabra bem fodida
Ou um paneleiro enrabado
Não fodem tanto na vida
Como este país deslavado.

domingo, 1 de agosto de 2010

No teu carinho

Vi
Os rios a serpear,
A brisa, de leve, a soprar,
Os pássaros no céu a voar,
As ondas do mar a quebrar,
As árvores, ao vento, a dançar,
Safiras e esmeraldas a brilhar,
Um sino, na torre, a tocar,
Um velho baloiço a balouçar,
O sol, no céu, a raiar.
Vi
Mil cores do arco-da-velha,
A lua que no firmamento espelha
A magia do luar,
O uivo dum lobo em silhueta,
O som estrénuo de trombeta,
Pelos ares a acalentar,
As montanhas brancas de neve
Das histórias de embalar
Que tão bem o tempo escreve.
Vi
Os peixes no mar a nadar
Salgado com o mais fino sal,
Belas estrelas a cintilar
No escuro espaço sideral,
Um diamante raro e puro,
Um morango já maduro,
O amor que faz amar,
Panaceia universal,
Vi a pedra filosofal.
Vi
Tesouros de atarantar
Em ilhas de fantasia
Com aroma, a flores, no ar
E fragrâncias de alegria,
Uma rocha com forma estranha
Perdida em algum lugar,
Traços de beleza tamanha
Do crepúsculo a iluminar
Quentes tardes de nostalgia.
Vi
O sono monótono e dormente
Duma máquina a maquinar
Inconstante, constantemente
Incessante, sem cessar,
O grito intenso e mordaz
De um martelo a martelar,
Ode poética e loquaz
De um poeta a poetar,
Da indústria, a declamar.
Vi
A Primavera e os anseios,
Nos jardins, de amores sinceros,
O Verão que, nos meneios,
Traz, singelos, os seus esmeros,
O Outono a folhear
As copas enrubescidas
Que o Inverno, a desnudar,
Despindo-as, as traz despidas,
Numa canção de embalar.
Vi
O gado no prado verde
Tão sereno, a deleitar
Saciando fome e sede
Na erva fresca a crescer,
Num riacho ali a passar
De água límpida a correr,
Um catraio a brincar
Sem nunca se aperceber
Sem nunca parar para pensar.
Vi
A serra tão longe, além
Do horizonte que fascina,
O carinho duma mãe
Trazendo ao colo uma menina,
Uma fada tão brilhante
Numa terra encantada
Dum reino antigo e distante
Doutro tempo, doutro instante,
Uma rosa encarnada.
Vi
A beleza de arrebol
A tingir o firmamento,
A calmaria ao pôr-do-sol,
O sabor doce dum momento,
A maravilha colorida
Duma aurora boreal
Magia, há muito esquecida
D'enlevo celestial,
Uma cidade d'oiro perdida.
Vi
O mundo na minha mão
Pintado duma estranha cor
Com a perícia dum artesão,
O sonho, todo o esplendor
Deste leito onde me aninho
Ao abrigo dos males da sorte,
Vi a vida até na morte
Na candura do teu amor
Na brandura do teu carinho.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A marcha do medo

Choro as mágoas das montanhas no Inverno
E as chuvas gravadas em tremenda tempestade,
A angústia do fogo que alimenta o inferno
Desta vida que se esbate aos pés da idade.

Os pios ladinos são como lamentos roucos
De harmonia perdida numa cor escura.
Os risos de alegria, já tão raros e poucos,
São prantos trazidos no peito da amargura.

As lágrimas vertidas salgando a terra
Fazem ninhos de palha e tão fina prata
Da bruma ardente que se abate e cerra

Tingindo de breu o céu, outrora azul.
Do norte, assustado, aguardo o tormento,
Temendo o terror que marcha do sul.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Sonho

Sonho.
Tudo o que almejo é-lhe medida.
Corro por orlas infindas
À procura de mim,
Perdido entre flores tão lindas
De um pequeno jardim.
Na bruma, perdida, segue vida
Sem se despedir.
Tiro-lhe o chapéu e sorrio
Um sorriso acanhado.
As rugas do franzir da testa
São meu ar cansado.
Deixo-a ruir.
Só o sonho é meu refúgio,
Se ela me é adversa
Como fortes correntes dum rio
Onde me abafo e afogo
Num ramalhete de injúrias.
Sonho
E me encontro num toque de estranheza
Com o alheio que virá advir.
Sonho e me desperta a leveza
Quando me deito
E deleito
A dormir.

domingo, 18 de julho de 2010

A alegria da bicharada V

O mocho, na alquimia, era artesão
Da ciência de segredos escondidos.
Procurou, nos empoeirados livros antigos
Com perseverante convicção,
Extraindo, no seu teor,
As técnicas da transmutação,
A pedra filosofal.
Encontrou o que procurava
Depois de tanto lavor
Nos alambiques e retortas,
Que o seu laboratório apinhava.
Tinha aberto todas as portas
A tão insigne mas dura arte.
O rei, cobiçando o imenso tesouro,
Entregou-a nas mãos do mal,
Transformando tudo em ouro.
Era ouro por toda a parte.
Mais tarde, perante o seu horror,
Tanto ouro saiu-lhe caro.
Perdera todo o seu valor
Pois tudo tanto vale
Quanto mais raro.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Empunhei a espada

Empunhei a espada e deferi, em verso,
A todo um exército já disperso:
Tirai os olhos do chão, irmãos em desespero,
Não há vergonha na derrota.
Tende vergonha na guerra,
Mãe do desterro.
Tende vergonha na guerra,
Que amarrota,
Amordaça o justo e enaltece o déspota.

Tornou o sol, então,
Àquele dia de chuva e tempestade.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O milagre da vida (O grito da loucura)

O milagre acontece no calor do ventre,
Princípio de existir. A célula, minúsculo grão
De vida, traz escrita a génese do futuro ente
Como se o destino tecesse em carne e sangue então
Cada minucioso entalhe da forma do corpo despido,
Cada sentido que ouve, cheira, vê e sente.
Nasce a consciência, cresce o conhecimento,
A arte, a ciência, a técnica, o pensamento,
A filosofia da moral e de todas as religiões.
O ser evolui alheado do mundo mas apaixonado,
Trazendo consigo e em si o ditame das emoções,
O requebre da vida que o faz enamorado.
Cada parte que o forma parece pensar por si,
Parece conter todos os segredos da criação,
Formando um todo que, triste, chora e alegre, ri,
Um todo capaz de amar e sentir paixão
Traçada na mais bela palavra amor,
Capaz de odiar e deixar-se entregue à dor.
Tudo isso é canto em plena entoação
Ao som da música do bater do coração.

sábado, 3 de julho de 2010

Dormia sozinho

Um menino dormia
Num sono profundo,
Triste c'oa vida,
Cansado do mundo.
Um menino dormia
Num sono profundo.

Dormia sozinho
Sem o zelo de alguém,
Sem eira nem beira,
Sem casa nem ninho,
Dormia sozinho
Um menino sem mãe.

Uma lágrima pura,
Na face escorria.
Nas ruas d'amargura,
Um sono profundo
Um menino dormia,
Cansado do mundo.

Sem o zelo de alguém,
Um abraço, um carinho,
Cansado do mundo,
Dormia sozinho
Num sono profundo,
Um menino sem mãe.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Graça sem graça

Disse uma graça sem graça,
Que desgraça!
A rapariga riu-se da graça,
Soltou um riso de nassa.

Decerto com ele engraça
Senão não se riria da graça,
Dessa graça sem graça
A escarnicar a desgraça.

Quando a paixão é vivaça,
A razão é escassa
E até uma graça sem graça
Tem graça.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sou estúpido

Sou estúpido num oceâno enorme,
Perdido numa ilheta de certeza.
Tenho sede de saber, tenho fome,
Tenho ânsia de ciência sobre a mesa.

Navego águas turvas do que não sei,
À deriva do que vejo e não entendo.
Pequenos grãos em grandes praias de areia,
São tudo o que tão pouco compreendo.

Estudo um velho livro empoeirado
Emulando os sábios que as folhas lembram.
Fecho-o, à noitinha, já cansado,

Deito-me e adormeço naufragado.
Se, doutra ilha, estou longe ou perto,
Somente acerto, não sabê-lo ao certo.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Filho da guerra

Com o seu escolvilhão,
Limpa o cano do mosquete.
Aponta e dispara, o jovem cadete,
Um tiro certeiro no coração.
Abate-se a morte sobre o rapaz
Que cai, sem vida, no chão.
Ouve-se o som ribombante e mordaz
Do uivo rouco e macabro de um canhão
Abafando os gemidos de dor
De quem foge aterrorizado
Às cruéis garras do terror.
Jorra, do corpo, o sangue
Sobre o musgo molhado
E um branco malmequer perdido.
Não tarda, acaba exangue,
Por ali apodrece esquecido,
Entregue à terra,
Quem, outrora, foi alguém.
Ali, agora, é ninguém,
Mais um filho da guerra.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Lá vão elas

Lá vai ela, Gabriela,
Com o seu passo apertado.
Ao lado, vai Manuela,
Vão as duas a algum lado.

Vão as duas apressadas,
Apertando o passo ligeiro.
Levam nas malas fechadas
Porventura algum dinheiro.

Tão depressa, lá vão elas
Sem sequer p'ra trás olhar,
Com suas malas de estrelas
Vão algo, às compras, comprar.

domingo, 6 de junho de 2010

Silenciem-nos porque são lamentos

Silenciem os prantos de amores não correspondidos,
Tristes trinados
Dos sinos a anunciar a morte.
Silenciem-nos porque os ouço
Como sinto a fluir nas veias do meu corpo
As chagas das quezílias da má sorte.
Silenciem os prantos dos homens crendo
Que jamais serão felizes
Pois o seu amor vagueia perdido
À deriva nos mares do mundo.
Não concebo tristeza mais profunda que essa.
Silenciem o pranto daqueles
Que negaram o seu único grande amor.
O arrependimento é o seu maior tormento.
Silenciem-nos porque são ecos que me atormentam.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Numa rica e farta cidade

Numa rica e farta cidade
Deambula pobremente
Moribundo, sem vontade
Um mendigo, tristemente.

Na face pungida de dor
Surge, do corpo, sectante
O frio que o corta, o tremor,
Cada lágrima de gelo ardente.

O homem de lânguidos membros
Sentado à deriva da vida,
Não vê alegria. São lamentos,
Única companhia que lhe é devida.

Pede, em trémula voz penitente
O pedinte (cuja vida é penitência)
Esmola ao traseunte complacente
Na esperança de uma réstia de clemência.

E a cidade resplandecente
Ao sol e à luz da lua,
Apinhada com rica gente
E um pobre mendigo na rua.

-Ah! Vida infame! - Pensa
Enquanto, em pranto, a desgraça
Calunia com ira imensa
A sorte que lhe não pára e passa.

A tão esbelta cidade assiste
Ao pranto do homem na perdição
Duma vida tão dura e triste,
Dormindo ao relento na chão.

Onde errou? Qual vil fado
Impingiu tão duro castigo?
Quiçá, desventuras do passado
São injúrias que traz consigo.

Nos olhos as lágrimas são
Presença da melancolia constante
Do homem a quem a solidão
O abraçou de um destino errante.

Na cidade corre a multidão
Como um rio a correr p'ró mar
E um homem caído no chão
Sem se conseguir levantar.

O homem que nada tem
Está só, caído no chão,
Usurpado por alguém
Sem remorso ou coração.

Vive bem, na opulência,
Numa cidade de grande fausto
O autor da indigência
Do homem pobre exausto.

Outrora amigo, confidente
De segredos bem guardados,
Para ele é um pobre indigente,
Uma história do passado.

A gente que ao homem vê,
Vê ali um vagabundo
Não sabem o como ou porquê
Desceu aos confins do mundo.

Numa rica e farta cidade,
Cidade com rica gente,
Na penúria, sem vontade,
Vive um pobre indigente.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

A alegria da bicharada IV

-Escoltam-no ao castelo,
Ouve-se algures na praça apinhada.
Os súbditos do reino da bicharada
Observavam a escolta, comitiva e aparato
Que ao mocho tinham zelo.
-Libertem-no, deixem-no ir - continuava
Alguém incógnito, no anonimato,
Escondido entre a multidão.
As tropas do porco, o rei daquela gente
Confiscavam os haveres da ave:
Livros, ferramentas, incluindo um velho pião,
Retortas, um alambique, vários frascos,
Até garrafas de aguardente,
Também cadernos já velhos e gastos.
-Fazêmo-lo para o bem desta sociedade!
Declamava o porco num discurso inspirado,
Justificando a necessidade
De o levar preso e algemado
contra a sua vontade.
-Libertem-no, gente ignóbil!
O tumulto alevantava-se em tom de rebelião
Mas o exército bem armado,
Subitamente abafa a revolução.
O rei mandara preparar o quarto
Com a mais fina e delicada seda
Onde hospedar o velho mocho já cansado,
Preparando-lhe um jantar farto,
Numa grande e real mesa.
-Peço-te lealdade, velho amigo,
Que sempre me preocupei com o povo, contigo!
Nestas duas vezes o seu discurso inspirado
Não o levou a qualquer lado.
Responde o mocho apreensivo:
-Muito cuidado com o seu uso,
Pois voltar a trás, pode já ser tarde
Quando cai nas mãos do abuso
Tão antiga e nobre arte.
Farei o que me pedis, real senhor,
Mas aviso-o que, se em diante, não trouxer amor,
Só nos trará perdição.
- Isso não sei - resmunga o rei
- É para o bem desta grande nação.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Tempo

O tempo que a morte traz,
O mesmo tempo que a vida ecoa
Parece correr à toa
Sem tino, destino ou tento.
Vem num sorriso ou lamento
Alinhar, em desalinho,
As linhas do ensinamento,
As maravilhas da ciência,
Tempo que leva ao esquecimento
Os azedumes da consciência.
Amadurece a idade e se ausenta
O tempo que se apresenta
Despindo as árvores no inverno frio,
Sem o qual, ao mar, não corre o rio
E, aos lábios rosados, um terno beijo.
Sem tempo não há desejo.
O tempo que vem na primavera,
Na ânsia de quem espera
Uma sincera prenda de amor,
No desabrochar de uma flor
Colorida em verde ramo
E num pipilar assaz jucundo
É o tempo que move o mundo,
Tempo de te dizer que te amo.

A minha maior vitória

Sabes? Hoje saí
Pela porta aberta fechada para mim.
É de pedra, a calçada quente
Onde brinca a criançada inocente
E vermelho, um cravo ao sol no jardim.
Andorinhas, ao vento voam pelo céu azul,
Vindas em bandos do sul
Agraciando a primavera,
A fragrância a alecrim e rosmaninho.
Com elegância de quem se esmera,
Sem delonga, sem espera,
Fazem, nos beirais, o ninho
Sob a sombra das telhas do telhado.
Os seus pios são um concerto afinado.
Ah como é belo o rubro intenso
Das papoulas ladeando o caminho,
O fresco pasto do prado imenso
Abeirando-se nas límpidas águas da ribeira
Que sacia o gado que s'apascenta à beira
E também a velha fonte.
Imponentes, além do monte
Vi os choupos de um choupal
À luz do dilúculo quase bruxuleante.
Dei um outro passo em frente
Sentindo a brisa morena na cara,
Ouvindo seus segredos, confidente,
Trazidos à luz do dia tão branca e clara.
Contava-me traquinices, como uma catraia
Que bailava por entre anciãos pinheiros
Balouçando-os num bailado ligeiro,
Arremessando fina areia da praia.
Disse olá ao vento e senti-me bem
Enquanto me afastava da porta atrás.
Então senti-me em paz.
Balouçava com a brisa,
Ameaçando fechar
Soltando chios as dobradiças
Mas as andorinhas
Voando como quem ao vento desliza,
Com plumagem catita, castiça
Fizeram-me delirar.
Esquecia-me do medo do agora,
De estar lá fora
Sem fugir para dentro.
Sorvi a calma gotejante do momento
Que me veio saciar.
As estrelas por trás do sol escondidas,
Via-as! Cada uma a cintilar
Como pérolas ao sol perdidas.
Mais um passo dei. Tranpus o portão
De ferro ao fundo do jardim,
Sentindo o calor da calçada quente
Onde brincava a criançada inocente.
Num canto dormia um cão
Num canteiro de jasmim.
Quase livre segui em frente,
Acompanhando os sorrisos da catraiada.
Finalmente cheguei à estrada.
Pela rua passava azafamado
Um mar de gente
Como formigas dum formigueiro
Num carreiro, em viva lida.
Vi um ínfimo grão da vida
E a sua glória.
Sabes? Foi a minha maior vitória.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Perdemos o autocarro

Perdemos o autocarro,
O último a passar.
Viemos a pé
E a assobiar.

A meio do caminho
Alguém disse num grito
Que andava no ar
Um cheiro esquisito.

O ar odorífero
Soprava da esquerda.
Cheirava a caruma,
A musgo e a merda.

Ficámos curiosos
Com a fragrância do ar.
Chegámos mais perto
Para apreciar.

Uma coisa insólita
Se estava a passar:
Um rapaz em cócoras
No pinhal a cagar.

O rapaz tão franzino
Excretava aos montões.
Saíam-lhe do cú
Grandes cagalhões.

Enquanto cagava,
E a acompanhar,
Largava favecas
Que o faziam saltar.

Veio uma rabanada
Mui forte de vento.
Desiquilibrou-se e caiu
Com o rabo no excremento.

Cagou a camisa,
As calças, as cuecas
E as bordas borradas
Pareciam panquecas.

Colou-se-lhe ao cú
Palha e areia.
O rapaz aflito
Viu a coisa feia.

No meio da aflição,
Com danças rabigas
Roçou o cú
Num molho de urtigas.

Era grande o queimor,
Também a comichão.
Esfregou o rego e as nádegas
Com os dedos da mão.

Picavam-lhe mosquitos
Em vários lados.
Coçou o corpo e a cara
Com os dedos borrados.

Vestiu-se e zarpou
Com ares pouco ridentes,
Cheio de pressa
E merda até aos dentes.

domingo, 16 de maio de 2010

Saudades tuas

Empreteço os tempos que me atormentam
O coração ávido dum beijo teu.
A cada segundo volvido aumentam
Saudades tuas, lamento meu.

Conto as horas que vêm para te ver,
Ânsia nos meus sonhos em pesadelo
Se sonhar contigo, em te perder:
Sonho, o qual, mais que quero, é esquecê-lo.

Lembro o teu sorriso e o olhar sereno
Como as ondas do mar calmo ao fim do dia.
Não sei se é antídoto ou veneno.

Mesmo de infinda a distância que nos separa,
Quando, ao longe, sinto a tua voz tão doce e clara
O meu peito pula e salta de alegria.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Um homem sozinho

Perguntei a um homem sozinho,
Caído no chão
Desamparado:
- Porque vives abandonado,
Nas bermas deste caminho,
Qual é a tua história?
- Levei a vida em vão
Por trâmites sem qualquer glória,
Uma companhia, um amigo,
De alguém que caminhou comigo
Já não tenho memória.
Continuei apreensivo:
- Porque não te ergues e vais em frente,
Que pensas fazer doravante?
- Estou velho, cansado e doente,
Um moribundo, um indigente
Sem alento, sem vontade
De ir avante.
- E aqueles que, por ti, nutrem amor,
Que te foram força na dura adversidade?
- Esses, se os há, não sei,
Se os houve, nunca os encontrei.
Do mundo só trago dor.
Espero, ao crepúsculo, o anoitecer,
O fatídico perecer
No destino da idade.
Respondi-lhe compadecido:
- Estou agora aqui contigo.
- Mas hoje é tarde - returquiu.
E chamou-me amigo.

sábado, 8 de maio de 2010

Merda coladiça

Ó Frederico
Coisa feia no penico
Ó Acácio
Coisa feia no bacio
Ó Odete
Coisa feia na retrete
Ó Sabina
Coisa feia na latrina
Ó Ferreira
Coisa feia na arrastadeira
Ó Mário
Coisa feia no sanitário
Ó Albano
Coisa feia no cano
Ó Urraca
Coisa feia na cloaca
Ó clara
Coisa feia na estrada
Ó Viriato
Coisa feia no sapato

Coisa feia
Que se pisa, prega e cola
E, quando se prende à sola,
Não há qualquer panaceia
Que a desprende ou descola.
Deixa um aroma que estala
Quando se prega ao sapato
E até mesmo suja o fato
De alguém que anda de gala.
Mesmo quem raspa e quem esfrega
Numa esquina de lancil,
Coisa feia que se prega,
Dificilmente se desprega,
Nem à roda de esmeril;
Coisa feia coladiça,
Coisa feia pegadiça.

Ó Frederico
Toda a gente te queria se fosses rico.
Ó Clara
Toda a gente te queria se fosses rara.
Se fosses ouro
Eras um tesouro.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Quatro ventos

Com a brisa do norte fria,
Com a aragem quente do leste
Vêm beijos de poesia
Seja citadina ou agreste.

Do sul, em canto, a melodia,
Do ocidente, ao vento, entoada,
Soam delicados ecos de poesia
Como bela sinfonia afinada.

sábado, 1 de maio de 2010

Vai, trabalhador

Trabalha, trabalhador.
O teu braço cansado ergueu cidades.
Vai à luta, lutador.
Trabalha, trabalhador
Que fizeste idades.
Vai, alevanta algo de novo,
Primogénito da destreza.
Póe o pão na mesa.
Vai, virtude e nobreza do povo.

domingo, 25 de abril de 2010

Ensaio sobre um balde de lavagem

Estava um balde de lavagem
Poisado num campo baldio.
O ministro, sem perder tempo,
Logo lá mete o focinho.
Comia como um grande porco
E com gula de esganar.
Outro ministro lá mete as fuças
Com gana de o acompanhar.
Dois porcos a deglutir
Sem esmero ou qualquer zelo
Ajuntou-se outro ministro,
Inclinando-se no gamelo.
A lavagem era tanta,
Pois o balde era enorme.
Convidaram os seus amigos
Para ali matar a fome.
Só comiam, só comiam,
Só comiam, só tragavam
E para nem perderem tempo
Enquanto comiam, cagavam.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Humilde

Ao maior ás observei:
- Dos teus feitos não há memória
Nos meandros da história.
Porventura sentes-te rei,
Das olimpíades tens grande glória
Ó campeão dos campeões!
- Sinto-me como qualquer outro alguém.
Apenas um, somente um Homem
Entre os cinco mil milhões
Desta imensa Humanidade.
Então pensei:
- É um vardadeiro rei
No palácio da Humildade.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Carta de um filho único a uma mãe viúva

Sou nada, nada valho,
A insignificância é valor meu,
Uma migalha, um bugalho
São bem maiores que eu.

Sou fraco como sou,
Sou uma pedra tão oca e dura
Sou uma planta que secou
Um dos filhos da amargura.

A dor que me lesa e sujeita,
Meu desbotado peito não suporta
Desta vida que não s'endireita,
Que teima em manter-se torta.

Cansei-me de respirar,
Perdi o alento, a emoção,
Perdi o amar, o odiar,
Nem sei se tenho coração.

Já não sei o que é a alegria
Dos tempos que fui petiz.
Não me lembro se sorria
Nem se outrora fui feliz.

Lágrimas não cessam de jorrar
D'olhos meus salgando o chão.
A penumbra é o meu clarar,
A minha luz é escuridão.

Ando só em cada dia,
Temo o mundo, a multidão.
Sou minha única companhia,
O meu refúgio é a solidão.

Pungem-me, impiedosas, a alma,
A ânsia e a angústia feroz,
Perturbando a paz e a calma
Numa irada fúria atroz.

Não desejo mais caminhar,
Andar em frente, ir mais longe.
Estagnei neste lugar
Sem ver o céu ou o horizonte.

Sou livre em tão vil desterro
Sem arbítrio ou vontade,
Vivo insípido, sem tempero,
Sem mentira, sem verdade.

Não vejo a um palmo à frente
Por onde o meu tino erra.
É cerrada, a bruma ardente,
O nevoeiro que se, em mim, cerra.

Não vejo razão em viver,
Cá vou indo em vão motivo,
Se nasci para morrer
O mal maior foi ter nascido.

Sei que, só, te vou deixar
Entregue a ti e mais ninguém.
Oiço e sinto o teu chorar,
Triste pranto que aí vem.

Desculpa a minha fraqueza,
Maleita que anda comigo.
Contudo, te deixo certeza
Que estarei sempre contigo.

Despeço-me nesta linha
Esperando encontrar do além,
Como única graça minha,
O teu perdão... terna mãe.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Sorrateiro

Num rasgo para o abismo
Sorrateiro sobre a mesa
Ancora-se esquálido silogismo
Flutuando na estranheza.
Cai o jarro ao chão
Na corda do luar anterior
Solta por um fio à mão,
Poisada por um cobertor
Nas pálpebras de um furacão.
As folhas rodopiam no prato
Onde, pelas árvores, crescem raízes
Sorvendo flocos de neve felizes
Crestados no meio do mato
E, nas pontas, com péle entalhe,
São rodas de codornizes.
Afim, vem camponês, trabalho
Corado de rosmaninho em casa
E um passarinho pintado
Cava a terra bramindo a asa.
Bica a água dum rio ascendente
Às núvens na cabeceira da cama
Donde pende um pingente
Trazendo uma floresta de marfim
Amarela de azul, trama.
Um micróbio grande assim
Traga um dinossauro gigante
E a medusa floresce num jardim
No bolso de um janota elegante
Vestido de pinguim gelado
Num penedo chorando deitado.
Uma bolota salta no asfalto
Da telha dum telhado cavo
Suportando a mansão da janela,
Junto ao solo, bem alto,
Abrindo para fora do favo.
E tudo isto num chapéu.
O mar desprende-se do céu,
Deslizando do véu
Seguro por uma gota em Marte
Pingando estandarte.

domingo, 4 de abril de 2010

Um ramo de oliveira
Traz no bico pomba branca.
Pelos ares, voa ligeira,
Voa ágil, serena e franca.

À deriva no tormento,
Uma nau navega errante
Sob o negro firmamento,
Sob um escuro incessante.

É a luz, a pomba branca
Que alumia a nau perdida
O ramo é a esperança
E a nau... essa é a vida.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

"Alegrai-vos", dizia-o

"Alegrai-vos, vós em pranto
De quais lágrimas salgam a terra estéril
Sem descanço
Pois negras núvens nada mais trazem senão
Chuva de água doce que a torne fértil.
Alegrai-vos, vós que chorais
Sem esperança no coração:
Regai-a, deixai-a florescer,
Não a deixeis perecer
Pois o destino reservar-vos-á nada mais
Senão cálida consolação.
Alegrai-vos, vós que vos fere o caminhar
Por caminhos de noite e melancolia
Pois só a alvorada poderá raiar
Trazendo alívios dum explêndido dia.
Alegrai-vos, vós, viventes na solidão
Porque é-vos grande riqueza, pobre companhia.
Alegrai-vos, vós em tormento
Pois nada mais vos espera que bonança e mansidão."
-Dizia-o numa era de ódio e sofrimento.

sábado, 27 de março de 2010

Perguntei a um pastor

Perguntei a um pastor
que olhava o gado:
Que fazes agora,senão apascentar?
Conto as estrelas mais belas
No céu a brilhar.
De dia? Perguntei admirado.
De dia e a qualquer hora!
Então vim... a olhar para cima.

domingo, 21 de março de 2010

Palavras de outrora

Palavras que disse e já não digo
Em harmonia, numa bela entoação,
Palavras levando ao colo consigo
Alegrias e tristezas do meu coração.

Palavras, levando em si a palavra amor,
Levou-as o vento, a uma galáxia distante,
A um ínfimo grão de areia, a uma flor
Só, em solo árido, num deserto quente.

Palavras, levando dores da minha dor
E a esperança no meu peito erguida,
Entoando canções de uma paixão olvida,

São palavras ocas em ecos de outrora
Provindas de lugares que não são de agora
Onde me sento e aguardo o fim da vida.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Paixão louca

Conheço um grupo sem cura,
Um grupo de amores louco,
Uma perfeita loucura.

Uns, são amados por aquelas
Que gostam doutros, eu digo,
Dos que amam outras elas
Que os querem como amigos.

A Maria ama o José
E o José outro alguém ama.
Não sabe de onde ela é
Nem sequer como se chama.

Apaixonou-se o João
Pela prima do Frederico
Mas tem esta uma paixão
Por um rapaz mais lindo e rico.

O Carlos gosta da Tina
E a Tina nem o quer ver.
Gosta dele a Felizmina
Mesmo sem o conhecer.

Ama a Mafalda, o Geraldo,
O Geraldo, ama a Marzé.
É amada pelo Arrenaldo
A Maria que ama o José.

A Tina gosta daquele
Que o ama a Marzé.
Quando ambas estão perto dele
Normalmente há banzé.

Ri-se, contudo, o António
(Não lhe prende o coração)
De tão grande pandemónio
Causado pela paixão.

São amores com tanta incúria
Que, ao invés de alegria,
Trazem consigo balbúrdia
À vida do dia-a-dia.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Libertar II

No fundo do túnel, termino o caminho.
Chegarei cansado
Chegarei sozinho.
No fundo do túnel, termino o caminho
Se, aqui sentado,
Não morro ou definho.
Vou continuar
Mesmo com os pés dormentes,
As mãos em ferida,
Os olhos lacrimejantes.
É o desígnio da vida.

terça-feira, 2 de março de 2010

O cão que queria voar

No sopé de uma encosta
Já sem vida, o cão piloto,
Resgatei-o (ao cão) já morto.

Na cauda amarrava um leme
Com fio fino de norte.
De papel eram as asas
Reforçadas pelas abas
Com placas de fibra forte
Duma liga ultra-leve.
Era presa numa haste,
Nas costas, a ventoínha
E para evitar o desgaste
Segurava-a uma linha.
Nos olhos, um par de lentes
Em óculos de ciclista
Protegiam-no, defendentes,
Do vento que faz na pista.
Com uma boina na cabeça,
Parecendo um aviador
Batia ferozmente as asas,
Sem ser preciso motor
Ou algo que se pareça.
Nas patas, uns rolamentos
Serviam para a aterragem
E, para a grande viagem,
Um saco com mantimentos.
Com o pêlo penteado,
Um sorriso tão brilhante
E um ar bem asseado
Levou o seu sonho avante:

Num balanço, atirou-se
Duma escarpa, pelo ar.

Oh tristeza! Estatelou-se!
O cão que queria voar.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Medito

Entrego-me ao pensamento.
Exógenos ruídos são leve zuir.
Esqueço o tempo, cada momento,
Deixo a calmia fluir
Como um rio sem ondas ao mar
Cujas águas, em cada margem,
Se aninham a descansar.
Sigo numa estranha viagem
Por um longo caminho inane,
Sem odor, sem sabor, sem paisagem,
Repleto de um vazio imane.
Não há noite, não há tarde, não há manhã
Onde a luz e a treva são mera vacuidade
Dum mundo em disputa vã
Entre o bem e o mal; a mentira e a verdade.
Enche-se-me de paz o coração.
Não sei se bate, pois deixou de ser,
Já tão longe da emoção.
A cor? Deixei de ver.
A canção? Deixei de ouvir.
O sabor? Deixou-se-me de saber.
O cheiro? Deixei de cheirar.
O sentimento? Deixou-se-me de sentir
Como o tacto que me faz tocar.
Somente medito.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Explosão

Estrondo! Clarão!
Corpos queimados, caídos no chão!
Fogo, força furiosa
Em disputa desditosa.
Explosão... entretenimento
A dar cor ao firmamento.
Dicotomia tamanha!
Antítese estranha!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Já fui

Já fui pintor e escultor,
Jardineiro e electricista.
Já fui médico e doutor
Vestido de alpinista.

Já fui um grande atleta
A correr e a saltar.
Já fui lâmpada e gaveta,
Uma vaca a barregar.

Já fui pato, astronauta,
Um peão num rodopio.
Jã fui notas numa pauta
Saídas dum assobio.

Já fui mesa, fui cadeira,
Fui um forno microondas.
Fui linho de fiadeira
Desfiado pelas pontas.

Já fui corda de amarrar
Navios ao cais do porto.
Fui um carro p'ra arranjar,
Um burro direito e torto.

Fui travesti elegante
Bem vestido, já fui nassa.
Fui tromba de elefante
Com pescoço de girafa.

Fui arco de violino
Rangendo uma corda velha.
Fui idoso, fui menino,
Fui caco velho de telha.

Já fui um anjo com asas,
Um santo feito de pau.
Já fui construtor de casas
Com rabos de carapau.

Fui doente, operário
C'um penico na cabeça
Fui mula, fui dromedário
Fui lesma de baba espessa.

Fui bebé, levei babetes,
Babando-me, divertido,
Também levei cotonetes
P'ró cerume do ouvido.

Já fui ralo e torneira,
Já fui pia, já fui cano.
Já fui rede, fui peneira
E uma boneca de pano.

Fui juíz, advogado,
Engenheiro e maquinista.
Fui jovem embriagado,
Fui uma tela de artista.

Já levei uma gabardina
Com uma cor bem vistosa.
Levei calças rotas de ardina,
Andei com o cú à mostra.

Já fui pedreiro, fui trolha,
Fui parede de tijolo.
Fui garrafa, também rolha,
Arrulhando como um tolo.

Cortei umas rodas às cores
Com cada, uma folha fiz
P'ra disfarçar-me de flores,
Um jardim lindo e feliz.

Já fui de cavalo aos trotes,
Cavalgando sem receio
Ladeado por dois potes
Uma vazio e outro cheio.

Uma vez levei pijama
E uns chinelos de interior.
Ia deitado na cama
Coberto c'um cobertor.

Já fui guarda, fui polícia,
Fui drogado e vagabundo.
Já fiz parte da milícia
Que dava cabo do mundo.

Fui tarelo, tagarela,
Padeiro e cozinheiro.
Fui vestido de panela,
De talheres e de faqueiro.

Fui bombeiro de machado
Com umas botas de borracha.
Fui leite achocolatado,
Fui biscoito, fui bolacha.

Já fui súbdito, já fui rei
Já fui nave espacial
Já fui tanto, já nem sei,
Nos dias de carnaval.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O porco do pardieiro

Corria nú pelo pinhal
O porco do pardieiro
Fugia doutro animal
Sempre à volta dum pinheiro.

Dava grunhos de aflição
O porco que ia nú
Levando sovas no lombo
E mordidelas no cú.

Oinc! Oinc! Oinc! Lá ia o porco
A bulir, parecia um doido.
Dava corda ao presunto
P'ra poder salvar o coiro.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Carta ao meu amor II

Tanto é o amor que aqui deixo
Nestas linhas que te escrevo,
Cada palavra é um beijo,
Cada frase é um desejo,
Meu coração que te entrego.

Ah! Amor que o amor me faz feliz,
Cujo júbilo de mil cantos
São, de querubim, doces cantos
E sorrisos de um petiz
Entregue a tantos encantos.

É.me ardente a paixão que por ti arde
Como a fúria de um trovão no firmamento
Rasgando em raios de luz cada momento
Contigo e me leva ao paraíso, alarde.
És força e fogo do meu alento.

Amo-te na tinta e traço deste aparo
Muito além da saudade que me vela
Sita nas letras que caem sem reparo
Nesta carta, tão londe do teu amparo,
Do brilho do mais bela estrela.

Ah! Poder tocar-te e te ouvir cantar,
Seres-me a mão que me acaricía a tez
Com miríades de ternuras a embalar
E, no teu regaço a dormitar,
Beba, de um trago o mar... talvez!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Hoje vi-a

Hoje vi-a
Tão amena como o sal
Num tempero de ternura.
Sorria...
Era um manancial
Ao sol do meio-dia,
Uma visão de candura.
Hoje o seu brilho rutilou
Fino como geleia real
Na língua e nos lábios
Que um beijo beijou,
Bela história de velhos sábios.
Hoje vi-a surgida,
Como a vira nunca antes,
Princesa dos desertos de areias quentes
Numa cidade de oiro perdida.
O encanto dos seus olhos
Tornou-se a doce e cálida fragrância
Duma paveia de fresco pasto
E montes de rosas aos molhos,
O desespero da minha ânsia.
Era um olhar tão terno e casto.
A manhã estava a meio,
O rio ia cheio
Da tempestade de ontem.
Passeava na margem,
Respirando a aragem
Pois livre à rua saí
E então a vi
E me prendi.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Poeta só

O sol da meia-noite vai alto,
O do meio-dia já se pôs.
Nocturno gaiato audaz
Diurno, jovial arauto.
As luas são catraias animadas
De quarto em quarto vão
Sempre meninas mimadas
Onde andam, onde estão.
O terceiro tímido sol
Cora-se em arrebol
No mundo roxo doutro mundo,
Planeta no espaço profundo.
Lá vive só com uma caneta
um poeta.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Vida que queria para mim

Entre a canízia da moita,
À noite, canície ao luar,
Vislumbro um vulto.
Será um viandante que ali pernoita,
Apenas um homem culto
Por ali a divagar
Ou a vista que me engana
Nesta conezia do tempo meu?
Quiçá, alguém que se esqueceu
No frio gelado lá fora
De tudo o que tanto ama,
Alguém perdido em melancolia
Que a vida abandonou;
Quiçá, alguém cheio de alegria
Que por ali se encontrou.
É pequena a janela do meu quarto
Que na noite de insónia vem,
Calvas moiteiras e pasto grado
Estendendo-se muito além;
Ao longe, uma ténue sombra
Que porventura me lembra alguém,
Por ali anda ao relento
Como um estranho mendigo
À procura de um amigo
Sem abrigo, sem alento.
Visto-me para encontrar um caminho
Por entre o pasto a maninho
Mas o gelo debilita a fúria
Nas altas horas que são.
-Sair de casa é incúria!
É desculpa para a longuidão.
Olho de novo a janela
O homem que muito além estivera
Levantara-se e zarpara avante.
Invejo o intrépido caminhante,
Fazer-se ao mundo ignoto, assim,
Calcorreando caminhos estranhos,
Vivendo acasos tamanhos,
Vida que queria para mim.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Era um lindo malmequer

Era um lindo malmequer do prado.
Entreguei-me ao seu encanto,
O seu chamamento encantado,
Ouvindo seu doce canto,
Harmonia que me chamou a si.
As pétalas eram mãos que senti,
Carícias de um efémero viver
No regaço desse airoso malmequer
Com cabelo aos caracóis brilhante.
Era meu sonho o perfume seu,
O olhar escuro como a lua nova
Na noite escura como o breu
Brilhando em brilho rutilante.
Queria-o meu assim, selvagem
Como sorriso eternamente jovem.
Colhê-lo-ia e trazia-o junto de mim
Deixando-o murchar comigo
Mas o seu tempo não chegara ao fim.
Sinto! Um malmequer tão belo assim
Bem me quer só como amigo.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Caí

Caí num buraco
Tão escuro e tão fundo
Nunca mais chegava
Ao centro do mundo.

Olhei o relógio,
A montra da hora
A queda era grande,
Era longa a demora.

Farto de cair,
Ergui a cabeça
E então levantei-me
Com toda a pressa.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O programador incansável

Com afico perseverante,
Noite e dia incessável
Labuta. Tem garra inflamante
O programador incansável.

Caixas de texto, botões,
Janelas de muitas cores,
Em maranhas de funções
Programa vários sabores.

Algoritmos mui marados
E lógica de estontear,
Tantos ciclos alinhados
P'rós programas funcionarem.

Variáveis e coisas tais
Para receberem valores
Seja em números ou literais
Apropria operadores.

Engendra tamanhas classes
P'ra instanciar objectos
Com padrões e interfaces
Em complicados projectos.

Polimorfismos e heranças,
São, p'ra ele, doce comer
São conceitos p'ra crianças
Que estão aprender a ler.

Das bases de dados é ás,
Um exímio campeão.
Qualquer área lhe apraz
Em sistemas de informação.

-Oh! Banalidades triviais!
Diz com ares de doutor.
-Arquitecturas banais
De cliente-servidor.

São comentários de artista,
De ousado programador,
Um grande especialista
Ligado ao computador.

De corpo e alma se entrega
À arte que tão bem ama.
Se o dia não lhe chega,
À noite nem vai à cama.

Excelentes programas tece,
Incansável, o André,
Mesmo quem bem o conhece
Nem sonha como ele é.